30/12/2007

ANO NOVO


Ouço o mar
lá longe
sob o céu

Ouço o silêncio
gotejar
na noite espessa
É tarde
(mas não me canso)
como no tempo jovem
hoje um ribeiro manso

Como depois de amanhã
nasce um ano novo

30/12/2007

28/12/2007

A FALA (II)

Posted by PicasaChaco Terada

Assim é o trabalho. Onde a luz da palavra
torna à sua fonte,
detrás, detrás do amor,
ergue-se para a morte, o rosto.

Ferreira Gullar

“Toda Poesia” - “A Fala” in “A Luta Corporal” (1950-1953)
José Olympio – Editora – Rio de Janeiro

27/12/2007

"PASSANDO ONDE HAJA TÚMULOS..."


Passando onde haja túmulos
- e há pó de humanos sempre onde se passe –
quanta maldade jaz ali dispersa
pronta a ser respirada por outros homens
qua a têm na carne como herança dela:
quanta traição mesquinha range os dentes
e faz as suas contas de futuro:
quanta vileza ainda se espoja em raiva
de não ter sido uma vileza inteira.
E é isto a humanidade.

Mas entre o pó das serras e dos montes
de campos e desertos e florestas,
ou nesse pó que como manto fluido
pousou gelatinoso na mais funda treva
do mar profundo – quanto sonho jaz
de uma grandeza sempre massacrada
traída e condenada por aqueles
que são a humaniddae.

Não foram nunca as circunstâncias nem a história
nem o destino nem a providência
quem matou a grandeza em qualquer coisa
império ou obra ou simples gesto vivo
de ser-se por instantes feliz.
Mas sempre o assassino que se esconde
na outra humanidade.

Passamos entre o pó de assassinados
e o de assassinos. E seremos pó
como eles são. Impunes estes sempre,
inconsolados ainda e sempre aqueles.
Nenhuma paz nos paga da maldade.

27/5/1971
.
[In “Poesia III” – “Exorcismos - 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (30).]

26/12/2007

QUE QUERES?


Que queres? Que te fale da amor?
Que te diga de como te adivinho?
Que te revele qual o meu temor?
Que te dê a mão a meio caminho?
Que queres que te diga? Sim, não?
Nunca, talvez? A distância infinita?
Uma sibila longínqua, qual verão?
O inverno? O futuro ou a desdita?
Que queres? Que te afague a dor?
Ou que te prenda na palavra dita?

9/12/2007

21/12/2007

NATAL DE 1971


Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem trás às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homems
devem estender-se a mão?

Novembro 71
.
[In “Poesia III” – “Exorcismos - 1972” – dando um pequeno salto na selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (29).]

20/12/2007

UMA LINHA

Posted by PicasaLaurie Tumer

Uma linha só uma linha
Uma linha idealizada para ser
Lida na fúria da pressa uma linha
Só uma linha é o ideal sem mais nada
Uma linha desde que seja só minha exacta
Precisa na linha das minhas linhas uma linha só
Uma linha é uma casa de uma assoalhada uma linha
Só uma linha serve para respirar uma ideia inspirar uma linha
Seja curva ou recta mesmo que traçada na testa é a linha que me resta]

Lisboa, 5 de Janeiro de 2006

18/12/2007

EM DES-LOUVOR DA VELHICE

Posted by PicasaJon Edwards

Para viver-se longamente ou se é de ferro,
ou vendo um velho penso: quanta gente
assassinou, envenenou, pisou ou destruiu?
Quantas vidas desfeitas há nessa memória
que já se esquece calma pela paz da morte?
Bandidos os humanos, quem não sobrevive
à custa de outras vidas? Quanto sangue,
quanta bondade, quanto de inocência
não devorou feroz e com rosnidos
que são agora as rugas venerandas
e aquele encanto de uma pele trilhada
por azuis róseas pequeninas veias?
Mesmo essa pele quantas vezes não
foi que a largou esfolada no entre pedras,
como a serpente que se despe e passa?
Ou se é de ferro. Ou criminoso antigo
que a si se perdoou do mal que fez
e aos outros perdoou que tenham sido as vítimas.

18/12/1971

Jorge de Sena.

[In “Poesia III” – “Exorcismos - 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (28).]

13/12/2007

Sena, Jorge

Posted by PicasaFotografia daqui

Mais longe, o que é mais longe?
Ficar no lugar, que é ficar perto?

Sena, Jorge, o homem de letras
esse mesmo que a marinha expulsou,
pai de muitos filhos, emigrante, poeta
quase eterno, amante de várias
Pátrias, morreu longe da sua,
mas nunca a esqueceu, antes quis
ser amado por ela
e ela, ingrata, o renegou.

27/7/2007
.
[“Vinte Poemas de Cuba” (20). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

12/12/2007

VITA BREVIS

Posted by PicasaAntonio Gesmundo

A vida é breve mas que a faz mais breve
não é morrer-se nem morrer quem foi
connosco nela espaço forma e tempo.
Que mais que a morte a humanidade encurta
e torna mais estreita a nossa vida.
Só brevemente e por um breve instante
seu corpo nos concede. E brevemente
é que pensar deseja que existimos.
Antes de mortos, antes de sozinhos
e apenas visitados de memórias,
já todos somos um jornal antigo
deitado fora sem sequer ser lido,
ou somos uma imagem desenhada
na borda do passeio em que se exibem
pisando-a com os pés que desenham
seus mesmos rostos que outros pés já pisam.
A vida é breve, breve, mas mais breve
quanto a quer breve a estupidez humana
fiel ao tempo ainda em que de espaço
o tempo se fazia e o pouco espaço
na terra imensa a todos não chegava.

5/1/1971

Jorge de Sena.
[In “Poesia III” – “Exorcismos - 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (27).]

06/12/2007

Posted by PicasaBarbara Morgan

Compreendo os seus cuidados.
O que lhes alentava a vida era
eu, talvez pouco, talvez muito,
um mundo no qual o filho que
lhes sobrava do quotidiano não
sonhava a vida na mesma cor
que conheciam, sobreviventes
das injustiças do mundo, sinto
o meu futuro vazio pleno deles

27/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (19). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

05/12/2007

AS QUATRO ESTAÇÕES ERAM CINCO

Posted by PicasaTom Chambers

O verão passa e o estio se anuncia
que o outono se há-de ser e logo inverno
de que virá nascida a primavera.
Mais breve ou longo se renova o dia
sempre da noite em repetir-se, eterno.
Só o homem morre de não ser quem era.

8/7/1970

Jorge de Sena.

[In “Poesia III” – “Exorcismos - 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (26).]

01/12/2007

A FALA (I)


(…)

Não te posso dizer: “vamos” – senão por aqui.
A infância dentro da luz dum musgo que os bichos
comem com a sua boca.
Eu ouço o mar; sopro, caminho na folhagem.
Mirar-nos límpidos no susto das águas escondidas!,
a alegria debaixo das palavras.

(…)

“Toda Poesia” - “A Fala” in “A Luta Corporal” (1950-1953)
José Olympio – Editora – Rio de Janeiro

[Excertos da leitura de “Toda Poesia”, de Ferreira Gullar, (1) enquanto escrevo, a lápis, nas suas páginas uma série de poemas alguns dos quais publicarei conforme o tempo e a disposição.]