25/07/2008

CANÇÃO

Canção de longe, canção sonhada
Longe do corpo, longe do desejo
Canção amada ardor de leve beijo
Sulcando a pele eriçada o desenho
Se forma na ponta de meus dedos
Trementes de sulcar a água quente
Libertada do fundo da carne erecta
Que se abre e chora baixinho amor
O que mais queres sem pedir nada
Em troca eu te dou na hora incerta.

12/6/2008

19/07/2008

REFLEXÃO ACERCA DO TEMPO

Regressemos à infância feliz
(dos dias sem tempo perdido)
Oiçamos o ruído imperceptível
(das vozes do nosso sangue)
Adivinhemos a força do vento
(do segredo bem guardado)
Cuidemos da memória pura
(dos amantes da liberdade)

30/4/2008

[Publicado, em simultâneo, no ABSORTO.]

TENHO FEITO TANTA COISA

Tenho feito tanta coisa tanto
E tão pouco que não sei mais
O que faça para me não sentir
Morto de não ser achado
Nas coisas que tenho feito
Se será verdade só minha
Que mais ninguém nelas
Encontre um sopro de alento
Nem se lembre de quantas vidas
Elas trazem por dentro
Tenho feito tanta coisa tanto
E não me sinto contente
Das coisas que tenho feito

15/6/2008

18/07/2008

ENVELHEÇO

Envelheço. As rugas fazem-se espelhos.
Neles vejo o meu corpo vergar
ao tempo silencioso. Na rua chamam-me velho.
Como me vêem os olhos das jovens que me olham?
O tempo que me falta lhes sobra e a memória
já não ocupa o lugar da beleza de outrora.

6/6/2008

16/07/2008

LONGE E PERTO


Longe e perto de mim escrevo ao sabor
do tempo, as palavras escorrendo entre
os dedos iguais aos que herdei de meus
pais ausentes. E por mais que prometa
não os desiludir tenho medo de falhar.
E ser perdoado sempre também cansa.

5/6/2008

14/07/2008

A PALAVRA


A palavra escrita na superfície branca
Escorrega-me por entre as memórias

4/6/2008

12/07/2008

MEU POEMA


Meu poema é um silêncio aceso
que me alumia o caminho da fala
e se derrama na palavra escrita
à mão teclada ou manuscrita

Meu poema só existe quando escapa
ao exacto momento que o suscita
e nada mais tem para dizer
senão o que a própria mão lhe dita

15/3/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora. Este é o último poema desta série.]

09/07/2008

SEM TÍTULO


Somente uma semente pura
De alegria que se solta e sorri
Tal uma corrente de ternura
Vinda de longe como nunca vi

15/3/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

07/07/2008

“Meu Povo, meu Abismo”

Elliott Erwitt - BRAZIL. Rio de Janeiro. 1961.

Tão belo o poema
Tão curto e conciso
Tão presente tão futuro

Tão belo o poema
Que nem preciso ser
Poeta p´ra escrever
Um poema no espaço
Livre de seu destino

Tão belo o poema
Que podia ser hino

15/3/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

04/07/2008

AS RUAS DA MINHA INFÂNCIA

As ruas da minha infância

Eram estreitas,

Havia dias

Que a terra poeirenta subia

Às janelas,

E nos buracos que na terra

Abria

Só cabiam os dias inteiros

7/1/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora. Este poema, já antes publicado, pertence a esta série]

01/07/2008

SÓ QUANDO CRIO

Só quando crio se me abre o sorriso
Como a água fresca a brotar do gargalo
Do antigo cântaro de barro vermelho
Suado de fazer o frio da água escassa
Adornado de gotículas escorrendo
Como as lágrimas escorriam das faces
Sofredoras dos que me deram ao mundo

Sofre-se devagar e devagar se morre.
Vivemos somente nos pequenos ínfimos
Espaços em que nos abrimos ao mundo
E nos vemos ao espelho do que criamos
Quando criamos que é o que além de nós
Cresce nos outros e sem nós persiste
Mais longe no tempo que é o nosso

Lisboa, 23 de Junho de 2008