17/05/2009

Homenagem a Joaquim Agostinho no dia da sua morte


De repente damo-nos conta de que país é este, pequeno pobre e triste país. O sul fica a milhares de kilómetros do centro, o norte toca no pólo, as fronteiras alargam-se de ponta a ponta do universo. Um deserto com gente de sentimentos, esquimós e ursos, um requinte de civilização universal, modelo último que todos procuram seguir. Gente atenta e versátil olhando a comunidade e honrando as responsabilidades e os deveres. Para quê tarefas e lugares definidos? A todos a sua opinião! Para quê iniciativas e esforços abnegados? Todos temos projectos sem fim, grandiosos e bem sucedidos! Tudo marcha à medida da nossa grandeza! Para quê heróis e mitos ou gerações triunfantes? Todos somos candidatos a heróis e todas as gerações tiveram os seus dias de glória! Preservar as riquezas para quê? Só há um tipo de riqueza: a nossa própria. Um só tipo de liberdade: a de lhe fazermos o que nos apetecer de preferência não a gozar nem deixar que o país dela goze. Empresários somos dos nossos próprios detritos. Libertadores somos das nossas responsabilidades. Deixemos morrer os heróis às suas mãos! O país morrerá com eles na incúria dos seus gestos envergonhados que se crispam de espanto a cada nova perda. Um país que morre em paz. Um coma profundo de que poucos se dão conta. Um horizonte de desesperança sem fim. Deixem-no morrer em paz. Ele se fez a si próprio. Atravessou gerações sempre no topo. Conquistou admirações em todo o lugar que regou com o seu suor. Fez-nos sonhar e nada lhe podemos dar agora. Oito horas são muito tempo. De quem é a culpa? De todos e de ninguém!
(In "Ir pela sua mão" - Editora Ausência - 2003)

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