30/10/2009

AS EVIDÊNCIAS - XVII


Ronald Cowie

Jorge de Sena nasceu em Lisboa, a 2 de Novembro de 1919, e faleceu em Santa Barbara, na Califórnia, a 4 de Junho de 1978.

Pelos noventa anos do seu nascimento divulgo, por estes dias, também no Absorto, os últimos 5 poemas de “As Evidências” [1955], uma das suas primeiras e maiores obras poéticas. Neste soneto XVII, dos 21 que compõem “As Evidências”, aquando da minha leitura inicial, logo após a sua morte, sublinhei, a lápis, um verso que sempre me tem acompanhado: “É pequena a margem pura onde só há tristeza”.

XVII
Na noite funda em que das nuvens corre
interceptado o luar prateando a vida,
de tudo a forma é sombra desmedida
como do corpo a contrição qual morre.


Últimas fezes do estertor, na espuma
que aos lábios sobe envidraçando o olhar,
crispam-se os dedos, quanto devagar
memórias se desatam uma a uma.


De súbito explodido, ou na serena
e distendida muscular dureza,
o espírito se quebra nas miríades

que o foram sucessivas. É pequena
a margem pura onde só há tristeza.
Da podridão logo renascem tríades.


25-3-1954

Jorge de Sena


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