27/02/2009

Bob: nos prados de Verão da Normandia. O seu capacete coberto de goiveiros e ervas bravas.

“Bob ao ataque nos prados de Verão. O seu capacete coberto de goiveiros e de ervas bravas.”

“Bob à l´attaque dans les prairies d´été. Son casque couvert de ravenelles et d´herbes folles. »


Bob: milhões de mortos jazem nos prados
de verão da Normandia. Nasci no tempo
de enterrar os mortos. Cresci com o som
do choro longínquo dos seus órfãos. Aqui
à ponta ocidental não chegou a liberdade
de chorar os capacete cheios de lágrimas
suspensos nas mãos das viúvas solitárias.

Bob: milhões de mortos em nome da paz
não foram suficientes. O teu sangue regou
o chão da Europa e no verão da Normandia
nasceu a esperança de um novo dia. Bob:
ainda bem que vieste. A barbárie sucumbiu.
O teu capacete coberto de goiveiros e ervas
bravas foi um alvo fácil como fácil é morrer.


* Citação de 1944, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 4 (Janeiro de 1942 – Setembro 1945) - página 121, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (1935 – 1948) – “Cahier IV (janvier 1942 – septembre1945) – página 1021, Oeuvres complètes – II. (Mesmo quando surgem duvidas tenho mantido sempre a tradução original; aqui: folles/bravas (?). Neste caso a citação que serviu de epígrafe não corresponde aquela que, neste momento, leio no original. Não encontro uma explicação imediata para a discrepância.)
*
Como seria de supor não havia erro na citação. Logo a seguir ao fragmento que tomei quando preparava o poste surge o fragmento que, originalmente, tomei para epígrafe do poema e do qual, incrivelmente, apesar de estar mesmo à mão, não me dei conta. Integra um longo, e muito interessante, excerto, inteiramente dedicado à guerra, intitulado:

“Création corrigée.”

(…)

“Bob dans les prairies d´été en Normandie. Son casque couvert d´herbes folles et de ravenelles. »

21/02/2009

Não posso viver fora da beleza.

“Não posso viver fora da beleza. É o que me torna fraco diante de certos seres.”

“Je ne peux pas vivre hors de la beauté. C´est ce que me rend faible devant certains êtres. " *



A caminho do futuro incerto
se joga a minha vida
e os gestos dela
tudo se joga menos a pura
beleza daquela face
e o meu olhar nela

não seria capaz de viver
fora da beleza
e um olhar por vezes basta
novidade do breve desejo
arrebatado e triste
no aceno de despedida

chegar partir abrir a mão
apertar os lábios
e lamber as feridas
sorver a lágrima
que cai pelo rosto desabrida
e não perder o trilho

amar o dia como a um filho
que se viu nascer
e admirar a beleza do seu rosto
olhar o anoitecer
e a luz que ilumina o caminho
me faz crer

não posso viver fora da beleza
perdida a juventude
o meu corpo oblíquo
rememora resiste e reverdece
qual movimento do desejo
que se não perde e cresce.

* Citação de 1943, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 4 (Janeiro de 1942 – Setembro 1945) - página 88, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (1935 – 1948) – “Cahier IV (janvier 1942 – septembre1945) – página 994, Oeuvres complètes – II. (Mesmo quando surgem duvidas tenho mantido sempre a tradução original.)

13/02/2009

O vento, uma das raras coisas próprias do mundo.

“O vento, uma das raras coisas próprias do mundo.”

“Le vent, une des rares choses propres du monde.”*



o vento,

empurra os odores e espalha as sementes

o vento,

assobia canções de embalar entre dentes

o vento,

canta os amores coloridos e suspira fundo

o vento,

dança nas frestas e sopra as ondas do mar

o vento,

é um mensageiro alado que nos faz sonhar

o vento,

é uma das raras coisas próprias do mundo.


* Citação de 1941, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 3 (Abril de 1939 – Fevereiro 1942) - página 169, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier III (Avril 1939 – février 1942) – página 923, Oeuvres complètes – II. (Mesmo quando surgem duvidas tenho mantido sempre a tradução original.)

11/02/2009

As primeiras amendoeiras em flor na estrada, frente ao mar.

“As primeiras amendoeiras em flor na estrada, frente ao mar. Uma noite bastou para que eles ficassem cobertos daquela neve frágil que com dificuldade se imagina que possa resistir ao frio e a essa chuva que encharca todas as pétalas.”

« Les premiers amandiers en fleur sur la route, devant la mer. Une nuit a suffi pour qu´ils se couvrent de cette neige fragile dont on imagine mal qu´elle puisse résister au froid et à cette pluie qui trempe tous les pétales. »*


A mesma terra e outro mar

carregando pesadas nuvens

húmidas de salmoira densa,

o céu do meu país sonhado


a mesma gente outro lugar

e as primeiras amendoeiras

eu as vi a florescer em flor,

na estrada de frente ao mar


lembravam-me um lençol

embrulhando o meu corpo

suado nas tardes do tempo

passado quando ao relento


adormecia ao canto suave

da voz que bradava longe

para ser ouvida na estrada,

frente ao mar azul florido.



* Citação de 1940, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 3 (Abril de 1939 – Fevereiro 1942) - página 145, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier III (Avril 1939 – février 1942) – página 903, Oeuvres complètes – II. (Mesmo quando surgem duvidas tenho mantido sempre a tradução original.)

07/02/2009

Aquela manhã cheia de sol: as ruas quentes e cheias de mulheres.

“Aquela manhã cheia de sol: as ruas quentes e cheias de mulheres. Vendem-se flores a todas as esquinas das ruas. E esses rostos de raparigas que sorriem.”

“Ce matin plein de soleil: les rues chaudes et pleines de femmes. On vend des fleurs à tous les coins de rue. Et ces visages de jeunes filles qui sourient. »*



Aquela manhã cheia de sol enchendo

as ruas quentes e cheias de mulheres

nas praças


esses rostos de raparigas que sorriem

me enchem o corpo de uma estranha

agonia


vendem-se flores a todas as esquinas

e das ruas fumegam fogos de magia

multicolores


aquela manhã cheia de sol iluminada

me deu a conhecer que me conhecias

eu sabia.


* Citação de 1939, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 2 (Setembro de 1937 – Abril de 1939) - página 107, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier II (Septembre 1937 – avril 1939) – página 875, Oeuvres complètes – II.

05/02/2009

O coração árido do criador.

“O coração árido do criador.”

“Le cœur sec du créateur.”*


O arrebatado amor que se insinua

na idade madura

é desejo feito dor, deixa saudade

e perdura

no velho coração árido do criador.


* Citação de 1938, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 2 (Setembro de 1937 – Abril de 1939) - página 94, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier II (Septembre 1937 – avril 1939) – página 863, Oeuvres complètes – II.