30/06/2009

EMILIO COCO


DEJADME ya con ellos, con mis muertos.
Con tía Franca y su tímida sonrisa
dentro del marco oval de oro falso,
que se angustia si a veces no acudo
a la cita habitual de cada sábado.
Debajo está tía Gina que ha llegado
en enero de este año a mi despecho,
sin avisarme se marchó en el día
del bautismo de Alessio. No debías
hacerme esta injusticia. Te he llorado
encerrado en mi cuarto en Espinardo
mientras comían paella con mariscos
y brindaban con cava catalán.
Un poco más arriba están mis padres,
él con trinchera y el cabello espeso,
ella con traje negro, demacrada.
Finalmente, lindando con el techo,
reunidos todos en el mismo nicho,
la madre y dos hermanos de las tías,
el abuelo Michele que leía,
para pasar el tiempo, la Gaceta,
mascando caramelos que compraba
con el diario en el bar de calle Roma.
Te hemos destinado el mejor sitio,
a la vista de todos, en el centro.
Faltan sólo la lápida y la foto.

(Inédito)

EMILIO COCO

In hartz

27/06/2009

"AS EVIDÊNCIAS" - VI


22
Concluí pela manhã o 6º soneto.

VI

Ambígua identidade, incauto amor
que o vento esculpe em pedras do deserto
como as que, vagas, pelo mar incerto
o mesmo vento aos areais conduz;

serena insaciedade, ausente ardor,
limiar a que a não-vida a descoberto
assoma viva qual se fôra perto
a fímbria clara exposta a contra-luz;

marcado e repetido, ou imperceptível
e como que perene, o suceder
das coisas, cujo ser é noutras ser
a forma contornada e previsível;

- demoram-se as estátuas, e quebradas
serão tristeza de outras não talhadas.

Jorge de Sena

21-2-1954

23/06/2009

"AS EVIDÊNCIAS" - V


21

O dia inteiro lutando com um 5º soneto. O que foi dolorosamente interrompido pela visita dos pais do Lemos* - que ouvi suspenso na aparência amável e divertida, mesmo simpatizando porque o estimo muito. Excelente a anedota autêntica de a Estrela Faria ter “ganho” na Bienal o prémio que o amante dela, um brásio rico, inventou com o próprio nome … e pagou (10 contos). Depois num aflitivo esforço de concentração, o soneto organizou-se, e terminei-o inteiramente outro do que planejara ou supusera que ele seria. E, enquanto escrevo, ouço a espectacular mas emocionante Rapsódia Hebraica de Block, para violoncelo e orquestra. Aprecio neste compositor a veemência e uma certa facilidade dramática que faltam, tão francamente sentimentais, em quase todos os modernos.
Envolvido no Zaratustra, de Strauss, sai-me o esperado soneto das galáxias (para o que refolheara o Eddington – ó eruditos do piolho catado!).

*Refere-se, certamente, aos pais de Fernando Lemos que, em 1953, havia emigrado para o Brasil.

V

Na antiga e fácil pátria da amargura
com qual quais chegam vossas vozes vão
quebrando as ondas minha voz mais pura
só de ter visto o mesmo coração

que como exílio fora não perdura,
eis-me silêncio arrebatado e não
nenhuma ausência ou extrema formosura
de um Deus que volta em pompa e escuridão.

Desnudo e em sangue, ai que não volta: existe
suspenso a vosso lado, e o duplo sexo
goteja embora no pudor perplexo
com que O não vedes na paisagem triste.

Eis-me que apenas me roubais quem sois:
se Deus deseja é desejar por dois.

Jorge de Sena

20-2-1954

21/06/2009

"AS EVIDÊNCIAS" - IV


20

Um 4º soneto, que apareceu a correr pouco antes de eu ir para S. Carlos ouvir a Electra …

IV

Da solidão que o vosso mal povoa
de monstruosas mãos e duros dentes,
lá onde agudo só um latido ecoa,
e o amor se esconde em piolhosos pentes;

Do vácuo fedorento, excrementício,
com que de roubos vosso rasto acaba
idêntico a vós próprios desde o início,
que desde sempre foi a mesma baba;

Da solidão que dais e que roubais,
do vácuo que levais e que deixais,
do pavoroso nada que imitais
quando cobris dos ouropéis legais

o horror de estardes sós em companhia –
o mal que sois em mim se refugia.

Jorge de Sena

15-4-1954*

[Nos Diários a referência ao 4º soneto surge a 20 de Fevereiro pelo que a data acima, inscrita na 2ª edição de Poesia I é, declaradamente, uma gralha devendo ler-se 20-2-1954.]

19/06/2009

PABLO NERUDA

8 de septiembre

Hoy, este día fue una copa plena,
hoy, este día fue la inmensa ola,
hoy, fue toda la tierra.
.
Hoy el mar tempestuoso
nos levantó en un beso
tan alto que temblamos
a la luz de un relámpago
y, atados, descendimos
a sumergirnos sin desenlazamos.
.
Hoy nuestros cuerpos se hicieron extensos,
crecieron hasta el límite del mundo
y rodaron fundiéndose
en una sola gota
de cera o meteoro.
.
Entre tú y yo se abrió una nueva puerta
y alguien, sin rostro aún,
allí nos esperaba.

18/06/2009

"AS EVIDÊNCIAS" III


13

Esta manhã, 3º soneto que me fez chegar ao meio -dia à repartição.

III

Que coisas sois? – se sois como que gente,
se as vozes imitais, se olhando olhais,
se os gestos de fingir com que adorais
os mesmos são de a vida estar presente?

Que coisas sois? – que o mundo humanamente
entre vós e vós próprios limitais?
Se é de outrem essa morte que matais
quando morreis temendo-a frente a frente?

Que coisas sois? – Menos que humanos, vis,
viscosos, fluidos e crustáceos, cães
paridos sem pecado pelas mães
que o súcubo emprenhou, sois de raiz

facas sem lâmina a que falta o cabo,
que a quem se abaixa se lhe vê o rabo.

13-2-1954

Jorge de Sena

16/06/2009

"AS EVIDÊNCIAS"

Prosseguindo a publicação dos 21 sonetos de “As Evidências”. Nos “Diários” de Jorge de Sena surge, no dia 12 de Fevereiro de 1954, a seguinte anotação: “Das 24 à 1.15, um segundo soneto.” É este:

II

Desta vergonha de existir ouvindo,
amordaçado, as vãs palavras belas,
por repetidas quanto mais traindo
tornadas vácuas da beleza delas;

desta vergonha de viver mentindo
só porque escuto o que dizeis com elas;
desta vergonha de assistir medindo
por elas as injúrias por trás delas

ao mesmo sangue com que foram feitas,
ao suor e ao sémen por que não eleitas
e à simples morte de chegar-se ao fim;

desta vergonha inominável grito
a própria vida com que às coisas fito:
Calai-vos, ímpios, que jurais por mim!

12-2-1954

[No dia 15 de Fevereiro escreveu referindo-se a um encontro com Adolfo Casais Monteiro com quem tinha estado no café: “Dos sonetos em curso, que lhe li, gostou dos dois primeiros e menos do terceiro.” ... que virá a seguir.]

15/06/2009

JORGE DE SENA - "AS EVIDÊNCIAS"

Jorge de Sena nasceu em 2 de Novembro de 1919. Engenheiro de profissão dedicou a sua vida à literatura, sendo grande como poeta, romancista, contista, tradutor e estudioso de obras alheias e é, para mim, com Pessoa, o poeta mais importante do século XX português.

Li finalmente, este fim-de-semana, os “Diários” livro no qual a sua mulher Mécia reuniu os escritos do género ao qual Sena dedicou pouca importância. Além dos textos acerca da sua viagem, como cadete, na Sagres, o livro vale a pena por duas peças, uma referente a um período de 1953/54 e outra referente ao ano de 1968 que permitem conhecer, além das circunstâncias da época, os seus gostos pessoais, processos de trabalho, amizades e ódios de estimação.

Retive, do período de 1953/54, um conjunto de referências à escrita dos 21 sonetos que compõem “As Evidências”, com data de publicação de 1955, que mais tarde viriam a integrar “Poesia I” em cujo prefácio, à 2ª edição, escrito pouco antes da sua morte, lhes faz referência:

“… Nos princípios de 1954, entre Fevereiro e Abril, escrevi os 21 sonetos de As Evidências, sequência que não queria publicar como parte de um livro de poemas, aonde ficasse submersa, mas para a qual não encontrava editor. Foi quando, nesse ano, me foi oferecida, se não estou em erro, paralelamente por Armindo Rodrigues e por João José Cachofel, a possibilidade de uma edição daqueles sonetos na série “Cancioneiro Geral” do Centro Bibliográfico. O livrinho ficou impresso nos primeiros dias de Janeiro de 1955, foi logo apreendido pela PIDE que assaltou então o dito Centro, e só pôde ser distribuído um mês depois de repetidas visitas à Censura, para onde se entrava por uma portinha da Calçada da Glória, embora os censores estivessem realmente instalados no Palácio Foz ocupado pelo SNP ou SNI, ou lá como se chamava na altura. O livro era, além de subversivo, pornográfico, segundo me repetia sistematicamente, com um sorriso ameno e algum sarcasmo nos olhos pontilhados de ramela branca, por trás de uns óculos de aro finamente metálico, suponho que o subdirector que era um major ou tenente-coronel. Eu contestava que o livro, ora essa, não era nem uma coisa nem outra, e ele, dando-me palmadinhas no joelho mais próximo, dizia: - Ora, ora … nós sabemos -. Ao fim de um mês destas periódicas sessões, o livro foi libertado, e para dizer a pura verdade evidente, era realmente subversivo e, se não propriamente pornográfico, sem dúvida que respeitavelmente obsceno. …”

Integrado num conjunto de iniciativas pessoais, em homenagem a Jorge de Sena, pelo 90º aniversário do seu nascimento, que agora inicio, e que terminarei com uma surpresa para os meus amigos, publicarei os 21 sonetos de “As Evidências” fazendo anteceder cada um deles com as referências, mais ou menos detalhadas, que o autor lhes faz nos “Diários”.

No Diário referente ao período de 23 de Agosto de 1953 a 20 de Outubro de 1954, no dia 12 de Fevereiro de 1954, escreveu:

“Hoje, pela manhã, surgiram-me vários fragmentos de versos ou versos inteiros, que se me organizaram num poema e num soneto, que espero seja o primeiro da sequência por que anseio há tanto. Julgo-os do melhor que tenho feito, e satisfazem-me em comparação com o que, e raramente, andava fazendo.”

I

Ao desconcerto humanamente aberto
entendo e sinto: as coisas são reais
como meus olhos que as olharam tais
a luz ou treva que há no tempo certo.

De olhá-las muito não as vejo mais
que a luz mutável com que a treva perto
sempre outras as confunde: entreaberto,
menos que humano, só verei sinais.

E sinta que as pensei, ou que as senti
eu pense, ou julgue nos sinais que vi
ler a harmonia, como ali surpresa,

oculta que era para eu vê-la agora,
meu desconcerto é o desconcerto fora,
e Deus um só pudor da Natureza.

12-2-1954

10/06/2009

DIA DE PORTUGAL

Luís de Camões

Quanta incerta esperança, quanto engano!
Quanto viver de falsos pensamentos,
Pois todos vão fazer seus fundamentos
Só no mesmo em que está seu próprio dano!
Na incerta vida estribam de um humano;
Dão crédito a palavras que são ventos;
Choram depois as horas e os momentos
Que riram com mais gosto em todo o ano.
Não haja em aparências confianças;
Entendei que o viver é de emprestado;
Que o de que vive o mundo são mudanças.
Mudai, pois, o sentido e o cuidado,
Somente amando aquelas esperanças
Que duram pera sempre co´o amado.

Sonetos da Edição de D. António Álvares da Cunha, de 1668
In Lírica – Terceiro Volume das Obras Completas - Círculo de Leitores

06/06/2009

CLAMOR


Clamou ao longe pelo moço
Que não conhece, silêncio –
Não sei do seu cheiro moça
Imagino-o álacre e me fere
Com aquela pontada aguda
Que me diz tudo do mundo

1/2/2009

03/06/2009

Dar o corpo ao manifesto (campanha)

EL PODER DE LA PALABRA

.
Retrato de una dama (fragmento)
" Qué mejor don podía darse en una compañera que el de una mente vivaz, imaginativa, que le ahorrara a uno repeticiones y reflejara el propio pensamiento en una superficie pulida, elegante? Osmond detestaba ver su pensamiento reproducido al pie de la letra -así parecía rancio y tonto-; prefería que ganase frescura en la reproducción, como la letra en la música. Su egocentrismo no había tomado nunca la cruda forma de desear una mujer sosa; la inteligencia de esa dama tenía que ser una fuente de plata, no de barro -una fuente que él pudiese colmar de frutas maduras, a las cuales prestaría un valor decorativo-, de suerte que la conversación pudiera ser para él algo así como un postre servido. En Isabel encontraba la calidad argéntea de esa perfección; podía tocar en aquella imaginación con los nudillos y hacerla resonar. "