25/02/2010

UM POEMA

Tom Chambers

Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...


Miguel Torga, Diário XIII

21/02/2010


Uma das poucas aguarelas feitas em formato maior 19cmx27cm - a entrada do Chateau Comtal de Carcassonne. Foi desenhada no local, tomei nota das cores no papel e nos olhos e logo que cheguei a casa acabei-a. [16 de Junho de 2008]

passeiam-se os passos nas pedras
falantes
cala-se a viajante como um
peregrino
o eco sibila-lhe labirintos


difícil aprendizagem!

Maria Helena Faria Monteiro in CALIGRAFIA DE TRAÇOS E PALAVRAS

19/02/2010

Uma vida

RIKKI KASSO

Uma vida assim inteira outra
face do medo olhar de frente
o outro lado como se fora sol
derramado em corpo amante
rente ao chão de onde nasce
a flor da semente fecundada.

Lisboa 18/02/2010

18/02/2010

CAMINHANTE

Cori Chandler-Pepelnjak

Procuro-te sem te procurar, perdendo-me no tempo
Fugitiva essa pessoa que possuis e que sinto
Que sou eu, senão caminhante que te encontra no imprevisto
Vejo e revejo cada saudade que permanece
E penso, e reflicto…
Encontro-te sem te procurar e perco-me no tempo

S.P.

15/02/2010

POEMA COM DESEJO DENTRO


Eva Herzigova par Vincent Peters

Mordes a maçã estaladiça os dentes cravados
Nela como se fosse a minha carne em chamas
Teu corpo roçando meus lábios abandonados
A teu desejo, ele sorvido devagar se me amas
Não sei, o que sei é o mar de água que molha
A curva de meu corpo dobrado a tuas carícias
Um ai que se solta do alto de ti que me olhas
Com uma nuvem no olhar pleno de primícias.

Lisboa, Fevereiro de 2010

12/02/2010

AO LONGE

RIKKI KASSO

Ao longe um rosto emoldurado de sol
Raiando na madrugada entre silêncios
O tempo amadurece no meu corpo só
Na praça deserta povoada de palavras

12/02/2010

07/02/2010

ARTE POÉTICA III


A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro do qual estava, poisada em cima de uma mesa, uma maçã enorme e vermelha. Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas veio confirmar a objectividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a reconheci intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Sousa-Cardoso. Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.

Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. E apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.

E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras. Diz o coro de Esquilo: «Nenhuma muralha defenderá aquele que, embriagado com a sua riqueza, derruba o altar sagrado da justiça.» Pois a justiça se confunde com aquele equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer integrar o seu canto. Confunde-se com aquele amor que, segundo Dante, move o sol e os outros astros. Confunde-se com a nossa fé no universo. Se em frente do esplendor do mundo nos alegramos com paixão, também em frente do sofrimento do mundo nos revoltamos com paixão. Esta lógica é íntima, interior, consequente consigo própria, necessária, fiel a si mesma. O facto de sermos feitos de louvor e protesto testemunha a unidade da nossa consciência.

A moral do poema não depende de nenhum código, de nenhuma lei, de nenhum programa que lhe seja exterior, mas, porque é uma realidade vivida, integra-se no tempo vivido. E o tempo em que vivemos é o tempo duma profunda tomada de consciência. Depois de tantos séculos de pecado burguês a nossa época rejeita a herança do pecado organizado. Não aceitamos a fatalidade do mal. Como Antígona, a poesia do nosso tempo não aprendeu a ceder aos desastres. Há um desejo de rigor e de verdade que é intrínseco à íntima estrutura do poema e que não pode aceitar uma ordem falsa.

O artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim. O artista, mesmo aquele que mais se coloca à margem da convivência, influenciará necessariamente, através da sua obra, a vida e o destino dos outros. Mesmo que o artista escolha o isolamento como melhor condição de trabalho e criação, pelo simples facto de fazer uma obra de rigor, de verdade e de consciência, ele está a contribuir para a formação duma consciência comum. Mesmo que fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem sempre dizer-nos isto: Que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser.

Eis-nos aqui reunidos, nós escritores portugueses, reunidos por uma língua comum. Mas acima de tudo estamos reunidos por aquilo a que o Padre Teilhard de Chardin chamou a nossa confiança no progresso das coisas.

E tendo começado por saudar os amigos presentes quero, ao terminar, saudar os meus amigos ausentes: porque não há nada que possa separar aqueles que estão reunidos por uma fé e por uma esperança *.


*(Texto lido em 11 de Julho de 1964 no almoço de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de Escritores, por ocasião da entrega do Grande Prémio de Poesia atribuído a Livro Sexto).



02/02/2010


































Imagem daqui

Ao longe o rosto de perfil antigo
Sem mácula nem aresta cortante
A lonjura descolora o acre da cor
Que tingia a pele do corpo, antes

02/02/2010