Mandei-o descascar batatas,
respondeu-me que os astros auguravam bom tempo.
Decididamente era verdade
que o imperador fizera o seu cavalo cônsul.
9/3/1954
Jorge de Sena
Eduardo Pitta em Da Literatura
Uma nota a “Dupla Glosa”
É Jorge de Sena que, em Julho de 1977, mesmo no fim da vida, no prefácio de “Poesia III” escreve: “ …Poesia III compõe-se de “Peregrinatio ad loca infecta”, Exorcismos, o poema “Camões na Ilha de Moçambique”, Conheço o sal … e outros poemas, e a sequência sobre esta praia … – oito meditações à beira do pacífico, acrescidos de três poemas inéditos e de um inédito segmento de um outro.”
“Peregrinatio …” foi publicada em 1969 mas na reedição inserta em “Poesia III” alguns poemas são acompanhados de notas – escritas em 1977 – algumas das quais valem bem a pena serem divulgadas. Foi o que não fiz logo ao publicar o poema “Dupla Glosa” e que agora corrijo transcrevendo a nota que Sena escreveu para o acompanhar:
“O poema refere-se ao que, com este citado mesmo primeiro verso, faz parte do livro Pedra Filosofal, coligido em Poesia I, aonde o poeta a quem era dirigido o poema, e meu amigo dos maiores de há quase quarenta anos, não era indicado, como aqui, em dedicatória. Não é excessivo repetir, uma vez mais, que Cinatti é, mesmo em muitos dos poemas que agora distribui pelas ruas de Lisboa, varrido pela dor mortal que o feriu com a catástrofe de Timor, um dos grandes poetas portugueses deste século, em minha opinião; e o futuro o dirá, ao apear alguns que por aí andam pintados de génios pelos seus fiéis servidores ou pelos servidores de a quem servem. Di-lo-á também, ao reconhecer nele uma das consciências verdadeiras deste nosso tempo em que nunca se imaginou uma tal exibição de falta desse atributo humano. Consciência desenfreada, mas uma, além do mais, das raras – a não ser no povo – consciências altruisticamente sofredoras que há hoje em Portugal. O autor destas linhas, ao ler este poema de 1952, treme do que parece que era profecia, e de facto “retrato” passado e futuro.” [Acrescente-se que, como decorre desta nota, datada de 1977, Cinatty sobreviveu cerca de dez anos a Jorge de Sena.]