05/05/2010

LIBERDADE


Nos meus cadernos de escola

no banco dela e nas árvores

e na areia e na neve

escrevo o teu nome


Em todas as folhas lidas

nas folhas todas em branco

pedra sangue papel cinza

escrevo o teu nome


Nas imagens todas de ouro

e nas armas dos guerreiros

nas coroas dos monarcas

escrevo o teu nome


Nas selvas e nos desertos

nos ninhos e nas giestas

no eco da minha infância

escrevo o teu nome


Nas maravilhas das noites

no pão branco das manhãs

nas estações namoradas

escrevo o teu nome


Nos meus farrapos de azul

no charco sol bolorento

no lago da lua viva

escrevo o teu nome


Nos campos e no horizonte

nas asas dos passarinhos

e no moinho das sombras

escrevo o teu nome


No bafejar das auroras

no oceano dos navios

e na montanha demente

escrevo o teu nome


Na espuma fina das nuvens

no suor do temporal

na chuva espessa apagada

escrevo o teu nome


Nas formas mais cintilantes

nos sinos todos das cores

na verdade do que é físico

escrevo o teu nome


Nos caminhos despertados

nas estradas desdobradas

nas praças que se transbordam

escrevo o teu nome


No candeeiro que se acende

no candeeiro que se apaga

nas minhas casas bem juntas

escrevo o teu nome


No fruto cortado em dois

do meu espelho e do meu quarto

na cama concha vazia

escrevo o teu nome


No meu cão guloso e terno

nas suas orelhas tesas

na sua pata desastrada

escrevo o teu nome


No trampolim desta porta

nos objectos familiares

na onda do lume bento

escrevo o teu nome


Na carne toda rendida

na fronte dos meus amigos

em cada mão que se estende

escrevo o teu nome


Na vidraça das surpresas

nos lábios todos atentos

muito acima do silêncio

escrevo o teu nome


Nos refúgios destruídos

nos meus faróis arruinados

nas paredes do meu tédio

escrevo o teu nome


Na ausência sem desejos

na desnuda solidão

nos degraus mesmos da morte

escrevo o teu nome


Na saúde rediviva

aos riscos desaparecidos

no esperar sem saudade

escrevo o teu nome


Pelo poder duma palavra

recomeço a minha vida

nasci para conhecer-te

nomear-te

liberdade.

paul eluard

Tradução de Jorge de Sena

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