29/11/2007

MADRIGAL DE LAS ALTAS TORRES

Posted by PicasaIlustração daqui

Cresceu aqui Católica Isabel
viveu aqui a amante de Sebastião
um dos falsos melhor que o verdadeiro
morreu aqui Frei Luís de Léon
(“Como íamos dizendo …” reatou na cátedra
aonde a Inquisição cortara uns anos antes)
as torres altas não existem já
nem madrigais se cantam nestas ruas brancas.
À freira perguntei onde era que a princesa
no convento escondia o amante pressuposto
o rei que se esfumava de Encoberto.
Corou voltou-me as costas – um segredo
ainda hoje ao fim de quatro séculos.

12/12/1972

Jorge de Sena.

[In “Poesia III” – “Conheço o sal … e outros poemas - 1974” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (25). Dando um salto para alinhar este poema na imediata sequência daquele outro que o antecede e que nele foi inspirado. Este poema, talvez pela consciência do autor de seu hermetismo, mereceu uma nota que surge na edição que tomo como referência para as presentes transcrições. Ei-la: “Nesta cidade próxima de Salamanca, há um convento de freiras aonde se criou quem seria Isabel-a-Católica e aonde esteve depois recolhida Ana de Áustria, filha de D. João de Áustria, o famoso herói de Lepanto e bastardo do imperador Carlos V. Foi ela o fulcro da intriga de um dos falsos D. Sebastiões, o Pasteleiro do Madrigal, que foi executado à ordem de Filipe II. Na cidade veio a morrer o grande poeta e professor Fr. Luís de León que ao reassumir a sua cátedra de Salamanca (sala ainda conservada na Universidade) após ter saído dos cárceres da Inquisição, procedeu exactamente como vai dito no poema”.]

28/11/2007

"Como íamos dizendo ..."

Posted by PicasaJoseph Mougel

“Como íamos dizendo …”

O que espero poder dizer
um dia, mais cedo que tarde,
quando a justiça se despachar
de seus enredos imundos
nem que seja por um minuto
na cara dos assassinos impunes.

26/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (18). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba. O verso em epígrafe foi tomado do poema “Madrigal de Las Altas Torres” que reproduzirei de seguida conjuntamente com a nota que o autor escreveu para a edição da Poesia III que tenho vindo a citar.]

24/11/2007

AVISO DE PORTA DE LIVRARIA

Posted by PicasaPeggy Washburn

Não leiam delicados este livro,
sobretudo os heróis do palavrão doméstico,
as ninfas machas, as vestais do puro,
os que andam aos pulinhos num pé só,
com as duas castas mãos uma atrás e outra adiante,
enquanto com a terceira vão tapando a boca
dos que andam com dois pés sem medo das palavras.
.
E quem de amor não sabe fuja dele:
qualquer amor desde o da carne àquele
que só de si se move, não movido
de prémio vil, mas alto e quase eterno.
De amor e de poesia e de ter pátria
aqui se trata : e que a ralé não passe
este limiar sagrado e não se atreva
a encher de ratos este espaço livre
onde se morre em dignidade humana
a dor de haver nascido em Portugal
sem mais remédio que trazê-lo n´alma.
[In “Poesia III” – “Exorcismos - 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (24).]

23/11/2007

ESTAS PRAIAS

Posted by PicasaDavid Alan Harvey

Estas praias e suas águas verdes
transparentes, areias de marfim,
perderam o povo que as não vê.
Estas praias e o mar que as beija
de águas tépidas, beleza sem fim,
foram vendidas, entendo porquê!

26/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (17). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

21/11/2007

HOMENAGEM A TOMAS ANTÓNIO GONZAGA


Posted by PicasaHolly Roberts

Gonzaga: podias não ter dito mais nada,
não ter escrito senão insuportáveis versos
de um árcade pedante, numa língua bífida
para o coloquial e o latim às avessas.

Mas uma vez disseste:
“eu tenho um coração maior que o mundo”.
Pouco importa em que circunstância o disseste:

Um coração maior que o mundo –
uma das mais raras coisas
que um poeta disse.

Talvez que a tenhas copiado
de algum velho clássico. Mas como
a tu disseste, Gonzaga! Por certo

que o teu coração era maior que o mundo:
nem pátrias nem Marílias te bastavam.

(Ainda que em Moçambique, como Rimbaud na Etiópia,
engordasses depois vendendo escravos).

Madison, 13/4/1968

Jorge de Sena.
[In “Poesia III” – “Estados Unidos da América” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (23).]

20/11/2007

SOMENTE

Posted by PicasaTria Giovan

Somente o rosto limpo escreve
a história, triste entre ruínas,
deixa-se fotografar para mais
tarde, a morada é a do lugar.
Somente por correio normal,
e a questão da liberdade aflora
numa frase docemente crítica:
“correo electrónico no lo ha”!

26/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (16). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

17/11/2007

LISBOA - 1971

Posted by PicasaMarina Edith Calvo

O chofer de taxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranje do a mais com as gorjetas.
Os amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas pernas que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto “calçar” uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas da sopa do convento.
Mas o chofer de taxi contou-me que
discutira com um asno e lhe disserra:
“ … V. que nesse tempo ainda andava a fugir
de colhão para colhão do seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta …”
E é isto: andam de colhão em colhão
a ver se escapam – e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escaparam.

Lisboa, 5/8/1971
[In “Poesia III” – “Exorcismos 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (22). Este poema – que salta a ordem desta série - vem a propósito do artigo de Clara Ferreira Alves, publicado na revista Única do Expresso, sob o título Ele fotocopiou, sim tendo como protagonista o Dr. Paulo Portas, e que publicarei logo que o encontre disponível por aí].

15/11/2007

CIDADE VELHA

Posted by PicasaRicardo López

A cidade velha imóvel ostenta
sua antiga grandeza arruinada
A revolução passou por aqui
e morreu jovem do povo separada
A cidade velha mostra seu ventre
de outros cobiçado e o herói assassinado
se vende em moedas posters e canções
dedilhadas que suplicam liberdade

26/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (15). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

14/11/2007

AO LER

Posted by PicasaJulio Galindo

Ao ler o poema não leio o poeta
Ao ler a palavra não lhe oiço a voz
Ao ler o silêncio não sinto o vazio
Ao ler o corpo não receio a beleza

27/04/2007

SETE SONETOS DA VISÃO PERPÉTUA

Posted by PicasaJulio Galindo

VI

E, todavia, eu não quisera amar-te.
Mas ter-te, sim, de todas as maneiras.
Quem és e como és, de quem te abeiras,
que dizes ou não dizes, pouco importa.

E muito menos hoje me conforta.
Neste sorriso que te dou tranquilo,
eu ponho num remorso tudo aquilo
que em fundo amor eu te pudera dar-te,

se alguma vez te amasse de amor fundo.
Senta-te à luz do mar, à luz do mundo,
como na vez primeira em que te vi,

tão jovem, que era crime o contemplar-te.
E despe-te outra vez, pois vêm olhar-te
quantos te buscam de saber-te aqui.

Sendo um de tantos, nunca te perdi.

25/2/1965

Jorge de Sena.

[In “Poesia III” – “Brasil” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (21).]

10/11/2007

Um filho é tudo

Posted by PicasaDesenho do meu filho Manuel Maria, Agosto 2003

Dorme cedo, é quente
aqui onde me encontro
Ganhou formas de homem
rosto sereno nariz adunco
Igual e diferente, fiel
nos afectos, um filho é tudo

25/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (14). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

08/11/2007

EM CRETA, COM O MINOTAURO


I

Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
quando não acredito em outro, e só outro quereria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquecer de tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.
II
O Minotauro compreender-me-á.
Tem cornos, como os sábios e os inimigos da vida.
É metade boi e metade homem, como todos os homens.
Violava e devorava virgens, como todas as bestas.
Filho de Pasifaë, foi irmão de um verso de Racine,
que Valéry, o cretino, achava um dos mais belos da "langue".
Irmão também de Ariadne, embrulharam-no num novelo de que se lixou.]
Teseu, o herói, e, como todos os gregos heróicos, um filho da puta,
riu-lhe no focinho respeitável.
O Minotauro compreender-me-á, tomará café comigo, enquanto
o sol serenamente desce sobre o mar, e as sombras,
cheias de ninfas e de efebos desempregados,
se cerrarão dulcíssimas nas chávenas,
como o açúcar que mexeremos com o dedo sujo
de investigar as origens da vida.
III
É aí que eu quero reencontrar-me de ter deixado
a vida pelo mundo em pedaços repartida, como dizia
aquele pobre diabo que o Minotauro não leu, porque,
como toda a gente, não sabe português.
Também eu não sei grego, segundo as mais seguras informações.
Conversaremos em volapuque, já
que nenhum de nós o sabe. O Minotauro
não falava grego, não era grego, viveu antes da Grécia,
de toda esta merda douta que nos cobre há séculos,
cagada pelos nossos escravos, ou por nós quando somos
os escravos de outros. Ao café,
diremos um ao outro as nossas mágoas.
IV
Com pátrias nos compram e nos vendem, à falta
de pátrias que se vendam suficientemente caras para haver vergonha]
de não pertencer a elas. Nem eu, nem o Minotauro,
teremos nenhuma pátria. Apenas o café,
aromático e bem forte, não da Arábia ou do Brasil,
da Fedecam, ou de Angola, ou parte alguma. Mas café
contudo e que eu, com filial ternura,
verei escorrer-lhe do queixo de boi
até aos joelhos de homem que não sabe
de quem herdou, se do pai, se da mãe,
os cornos retorcidos que lhe ornam a
nobre fronte anterior a Atenas, e, quem sabe,
à Palestina, e outros lugares turísticos,
imensamente patrióticos.
V
Em Creta, com o Minotauro,
sem versos e sem vida,
sem pátrias e sem espírito,
sem nada, nem ninguém,
que não o dedo sujo,
hei-de tomar em paz o meu café.

5/7/1965
[In “Poesia III” – “Brasil” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (20).]

ALDINA DUARTE blog

04/11/2007

PORQUE ESCREVO (II)


A volúpia dos sentidos
O tempo e o desgosto
Uma página virgem
Os pontos em Julho
As vírgulas em Agosto
A viagem ao passado
Sem mover um pé
Com títulos a gosto
E notas de rodapé!

25/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (13). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]

03/11/2007

HOMENAGEM A TRISTAN TZARA


Que mundo este. Morre a Princesa do Traseiro-ao-Léu,
Bacoreca Sinfrásia d’Aldipopes. Morre o tribilinto asfásico
dourada pluma de popotássicos futebóis tintáceos.
Ascende no ar um cheiro a Presidente. E a Imprensa
cai em delíquio de pernoca e bunda. Ou pavelitches
mandam cantar missas de Requiem. Ou tam tam tam tam tam
pum. Mas tu, Tzara, morreste há ano e meio,
e é no acaso de um jornal que o sei “des poètes” o
jornal. Il y a des poètes, voyez-vous? Et ils ont
un journal. Oui, mais ma tente, elle tricote. Método Berlitz. Comme]
il y a tantes, honni soit qui mal y pense.
Eras romeno e de monóculo. A România ou Roménia,
como sabem todos os jornalistas cultos, é
um país latino embora eslavo, oh coisa estranha.
Mas em francês é que escrevias das aventuras celestes
do Senhor Antipirina, por aquele tempo em que,
abrindo um dicionário, encontraste DADA.
As palavras ao acaso, os recortes de jornal num chapéu
(como a imprensa se tornou dada, não é verdade, e sem chapéu),
e o mundo então estourando dia a dia em lama da Flandes ou
dos Lagos Masúrios. Mas tu, em Zurique, na montanha mágica
que havia entre os montes sem magia mais que a das vaquinhas
(que todas são suiças), transformaste em loucura calculada
a tua nostalgia de romântico reclinado “onde bebem os lobos”,
e o teu sangue de “homem aproximativo”, como todos os homens
que se prezam de ser DADA, com chapéu, a única coisa sensata
de um mundo em petição de miséria. Depois
foi o surrealismo com o papa Breton, o sacristão Péret, o politiquelho Aragon,]
Éluard-anjo-do-lar, Artud-a-fúria, o mártil Crevel, o bigodes
pré-franquistas Salvador Dali. E tu – poeta dadaísta, ali em francês
enquanto os outros estavam cavando a sepultura das Academias para]
a fundação da grande Academia parisiense da poesie Frrrrrrrrçaise,]
nouveau langage pour les prochains siècles: ó Racine: ó
pipoca saponácea de ceboso antraz. E haveria depois
o existencialismo (oh não de Malraux, não de Jean-Paul Sartre, mas]
do bela letra pied noir si digne Albert Camus). E depois o
nouveau roman nouveau roman tão bem escrito oh nouveau roman.]
Morreste há ano e meio, ou coisa assim. Ridiculamete,
como diz a notícia no melado tom do necrologio hipotético,
“quando o pai Natal enche de brinquedos as meias das crianças”.
Só te faltava esta para seres completo. Adieu, Tzara,
e que os antipirinas comovidos movidos vidos mu
te soltem sobre a tumba (Père Lachaise?) a gota militar
de um épico anúncio de jornal, como este:
“O armário de várias utilidades para o lar, solucionando
as medidas de espaço e de ambiente – 36 variações
à escolha” (CLIPPER dixit). Só 36? O Kamasutra! Adieu, Tzara.

1965


Jorge de Sena.

[In “Poesia III” – “Brasil” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (19). Este poema contém uma referência a Albert Camus que corresponde ao posicionamento político e intelectual que seria de esperar do autor e que muito me conforta. Além do mais mereceu do autor a seguinte nota: “Uma alusão neste poema necessita de esclarecimento. Um dos escândalos de São Paulo foi, e tem sido, o facto de croatas exilados mandarem dizer missa de Requiem por alma de Pavelich, o chefe dos “ustaquis” que dominaram ferozmente a Crácia, quando esta parte da Jugoslávia foi “reino” separado, na ocupação italo-germânica durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos erros do Brasil, como de muita América latina, foi o ter aceitado a entrada de numerosos grupos nazi-fascistas europeus, como exilados políticos quando não eram senão criminosos de guerra. Outra alusão também pede esclarecimento: Clipper é uma gigantesca cadeia americana de grandes lojas, e um dos grandes armazéns de São Paulo, e o anúncio é transcrito ipsis verbis.]

01/11/2007

PORQUE ESCREVO (I)


Escrever para quê?
É como o pó que piso
Areia fina mármore liso
Escrever para quê?
É como supor que existo
E para alguém sobrevivo
Escrever para quê?
Minto. É como acreditar
Que a eternidade existe

25/7/2007

[“Vinte Poemas de Cuba” (12). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]