31/12/2008

FIM DE ANO


A planura da noite debruando sombras
Brilho da luz refulgente acesa pelo frio
De inverno sorvendo o vapor das bocas
Entreabertas esperanças semi-desertas
O tacto preso, a mão incerta na crença
Do caminho que ao certo desconhecem
Brandindo os silêncios como uma arma
E nas sombras da noite o tempo passa

31/12/2008

28/12/2008

PARA QUÊ?

Para quê tanta preocupação

Com a vida dos mortos nela?

Os mesmos rostos e sorrisos

O tempo, vida serena e bela.

Para quê tanta preocupação

Com a vida dos jovens nela?

27/12/2008

21/12/2008

“Há um momento em que a juventude se perde. É o momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.”

Esta é a capa do livro que adoptou o título do último dos 18 poemas de que é portador. Esse poema está aqui. Para que se entenda melhor a génese do livro, e o contexto da sua publicação, transcrevo a Nota Introdutória que, sinceramente, tenho dúvidas se deveria ter sido nele incluída.

BREVE NOTA INTRODUTÓRIA

Ao meu filho Manuel Maria pelos seus 18 anos

Este livro surge fora do mercado editorial porque, na verdade, em Portugal, não há um verdadeiro mercado editorial de poesia. Mais vale, neste estranho vazio, em que o favor devora a apreciação do mérito, sem querer atribuir-me mérito algum, editar para os amigos de todas as horas, cúmplices de todas as lides, famílias de todas as estirpes, do que perder tempo, verbo e cabedal, em aventuras editoriais que, de ciência certa, é sabido estarem votadas ao fracasso.

Esta iniciativa editorial, de raiz artesanal, pretende situar-se, assumidamente, no terreno dos afectos e da reflexão, à margem do mercado, associando a empresa da escrita ao desenho gráfico, buscando uma forma susceptível de alcandorar o livro à categoria de objecto capaz de despertar o prazer da leitura forjando um pequeníssimo grão de liberdade de que cada um se apropriará como lhe aprouver. É assim que entendo o papel da comunicação pela arte.

Este livro é um exercício tardio inspirado na leitura de juventude, que me tem acompanhado a vida toda, dos “Cadernos” de Albert Camus, nos quais o autor de “O Estrangeiro”, revela a faceta fragmentária da sua escrita constituindo-se como um verdadeiro blogue “avant la lettre”.

A única explicação possível para o meu interesse, precoce, por Albert Camus reside no facto de, eu próprio, nunca ter frequentado os meios intelectuais tradicionais fazendo um caminho solitário na aprendizagem da importância da arte, situando-me sempre mais próximo da rebeldia, face às escolas de pensamento dominantes, do que da assumpção dos princípios de qualquer uma delas.

Parti, pelos meus 20 anos, dos “Cadernos” para, ao longo das últimas quatro décadas, me embrenhar na leitura de boa parte da obra de Camus, tarefa assumida como leitor interessado, quiçá apaixonado, e não mais do que isso. Foi a partir dessa condição de leitor que me aventurei nesta experiência poética.

Neste livro reúnem-se dezoito poemas, escritos em 2003, que, desde sempre, intitulei de “Glosas Imperfeitas”, mas que, finalmente, para evitar mal entendidos, rebaptizei com o título do último poema: “Há um momento em que a juventude se perde. É o momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.”

Quase todos os poemas foram escritos a partir de frases sublinhadas, a traço grosso, aquando da primeira leitura dos “Cadernos”, e são ilustrados, nesta micro edição, por desenhos gráficos, realizados em computador, pelo meu filho Manuel Maria ainda enquanto criança.

Nesta empresa íntima acompanha-me a música, por vezes agreste, da poesia de Jorge de Sena sobreposta à irradiante luminosidade das paisagens do mediterrâneo que povoam o imaginário de Albert Camus e que tanto influenciaram a sua escrita.

A cumplicidade generosa, e o talento da Isabel Espinheira, cozem o corpo ao espírito desta edição que é dirigida aos interstícios onde se encontram os únicos leitores que me interessa surpreender: os que acariciam um livro por prazer e dispõem da liberdade de o ler sem ser por dever,

Lisboa, Outubro de 2008

17/12/2008

UM DIA

Para a Teresa Patrício

Um dia quando nos faltar a lembrança
Do que fomos inteiros e crentes um dia
Quando a esperança for maior que nós
De verdade e nos fizer esquecer um dia
De vida que se nos escapou sem perdão
Qual infidelidade ao nosso credo um dia
Seja ele qual for na sua beleza rompante
Da luz que alumia quais mãos que um dia
Se estenderam e cantaram em voz calma
A alegria de agradecer a amizade, um dia

Lisboa, 17 de Dezembro de 2008

13/12/2008

UMA LUTA

Uma luta contra a desdita do vazio
(quase que desaparecem os cães)
Perder o sentido, o que é melhor?
(ainda se ouvem carícias de mães)
Um dia ajustam-se contas, finais?
(ao longe o sorriso reconfortante)
De novo soergo, não preciso mais.

13/12/2008

07/12/2008

ESCREVER


Escrever é dar vida ao estado
de espírito que acende a luz
de um pequeno lugar íntimo
incerto da vontade de dizer.
Assim como o tempo esconde
a mão que a dúvida silenciou
escrever é a liberdade de dar
à palavra a liberdade de viver.

7 de Dezembro de 2008

30/11/2008

HÁ COISAS DA VIDA

Há coisas da vida que nunca havemos de saber
Nomes que nunca entenderemos o significado
Vozes sábias de que nunca ouviremos palavra

O mundo desconhecido de que a somos feitos
É a razão de ser desta crença que nos mantém
Curiosos mesmo que nada saibamos do futuro

29/11/2008

29/11/2008

MEIO-DIA

Fotografia de Hélder Gonçalves
(fragmento)

Meio-dia a meio do dia
Todo o tempo comigo
O fascínio do meio-dia
Ao sol do tempo antigo
Acende-se o meio-dia
Luz do clarão que sigo
À sombra do meio-dia
Por vezes não consigo
Distinguir no meio-dia
O que digo e não digo

27/11/2008

22/11/2008

PALAVRAS

Eli Reed - United States. Alabama. Montgomery. 1995. Martin Luther King Jr. Memorial.

Ando às voltas com estas palavras:
Silêncio liberdade solidão verdade.
Todos com mais ou menos erudição
Andaram às voltas na vida com elas
Sem se darem conta da preocupação
De todo o sentido que elas encerram
Somente alguns reflectem seu peso
Por palavras mas todos lhes sofrem
As consequências se as esquecerem
Porque as palavras lhes sobrevivem.

22/11/2008

14/11/2008

O QUE FAZER AQUI

O que fazer aqui que não
Tenha já sido feito.

Sonhos com esperança
De deixar passado
Na memória de outros
Marcada a traço
Cinzelado de coloridos
Inapagáveis e livres
De qualquer servidão.

Ousar sermos únicos
Diferentes e iguais.

Sabermos proclamar
O que ouvimos
Doutros que mais
Souberam
Recitar em silêncio
A dor de viver
O seu tempo

Desistir da ternura
Do esquecimento.

13/11/2008

07/11/2008

NO TEMPO EM QUE ELA HABITAVA EM MIM

Como posso escrever hoje com o tempo
Carregado de experiências e desilusões
Sem temor de errar nos juízos como nos
Tempos de todas as virtudes enfeitadas
De luzes acesas aos meus olhos crédulos
Olhando o bojo das minhas esperanças
Nelas escritas palavras que não esqueci
A luz que refulgia lisa nascida da beleza
De corpos feminis espraiados na cidade
No tempo em que ela habitava em mim

31/10/2008

27/10/2008

ANIVERSÁRIO

Para o meu filho Manuel Maria no dia do seu 18º aniversário

Há um momento em que a juventude se perde. É o
momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.

Para ti um dia nascerá a luz e sem mim irás correr
atrás da tua memória e nunca me encontrarás nela
com os traços iguais aos do dia de hoje tão nítidos
presentes

Ausente deixarei de te olhar. O teu corpo ficará
sempre igual ao meu corpo que se transformará
num eco longínquo ressoando em ti comigo lá
dentro

Gostava de te ver sempre mas não posso. Um dia
todos os corpos se retiram e as viagens parecem
mais pequenas na cidade percorrida em círculos
concêntricos

Sei que nos encontrarmos agora é natural para ti.
Que me olhas e me interrogas silenciando o teu
medo de enfrentar o desconhecido numa espera
ausente

Para ti um dia nascerá a dúvida se afinal amaste
o suficiente. Se iluminaste a vida com a tua luz
própria ou se a roubaste aos outros sem sombra
de perdão

É esse o momento em que a juventude se perde
e com ela se esvai a inocência. É preciso saber
aceitar. Esse momento é duro e estarás só, sem
ninguém.

[Também no ABSORTO este poema que dá o título ao próximo livro, uma micro edição, dedicado ao meu filho, mas a pensar nos amigos. A distribuir nas vésperas do próximo Natal.]

25/10/2008

O QUE MAIS GUARDO É SILÊNCIO

O mais que guardo é silêncio
Mais que fortuna ou enfeite.
E do espaço livre colho vozes
Intensas em sua grita jovem.
Ao longe? Ou aqui por perto?
Sei dizer da força e do alento.
Onde? Não sei dizer ao certo.

20/10/2008

22/10/2008

UM DIA

Um dia vão acabar os dias
Que não serão lembrados
Senão por escasso tempo
Como as vozes que vivem
No fundo de nós, doutros
Que vivem no nosso corpo

22/10/2008

17/10/2008

INTERVALO DO TEMPO

Escrevo no intervalo do

Tempo

Que ocupa o lugar do presente

Imperfeito

1/7/2008

13/10/2008

NO HORIZONTE

No horizonte da esperança sinto
O olhar arguto que não estranha
A ausência mesmo que tamanha
Das horas em que incerto minto.
E através do espaço que criamos
Damo-nos ao desejo puro, louco
De imaginar o rosto que amamos
Reflectindo a nossa luz no outro.

12/10/2008

09/10/2008

HEI-DE ESCREVER

Hei-de escrever mais umas coisas um dia destes
Devagar ou de um sopro tanto faz seja de partida
Ou de regresso que é o que mais me apraz fazer
Quando se me liberta o peito dorido de angústias
De ter ou não feito o que deveria ser conveniente
Fazer pois me canso de esperar por coisa nenhuma
De regresso aquele lugar onde a palavra assenta
No ecrã pensando que deveria pousar nele uma
Quebra a surpresa ou a súbita mudança de ritmo
Tudo aquilo que ensinam a fazer os que escrevem
Para ganhar deste mister a fama do saber fazer
Menos eu que me apetece escrever escrevendo
Simplesmente pintando de letras uns momento
Da vida saboreando o acto devagarinho e solto.

18/8/2008

01/10/2008

A MINHA FACE

A minha face tem nela inscrita minha vida
passada presente e futura, olhada de fora
a minha face perdura como uma pequena
ave rara que esvoaça ao vento, crente
na liberdade de buscar o lugar do pouso.
A minha face se cavou na forma do tempo
e dos medos que a ensombram nos dias
mortos pelo cansaço de ser assim suave.
A minha face passa da nostalgia à tristeza,
da verdade desfeita, aos dias de mentira,
a minha face tem nela inscrita minha vida

8/7/2008

26/09/2008

ESCREVO

Escrevo no plano inclinado que separa

Todas as dúvidas das minhas certezas

Dividido entre a raiva e o medo certo

E incerto, oblíquo ao olhar as belezas

Do mundo às vezes de mim tão perto

12/5/2008

21/09/2008

É NOITE

É noite não sei se escura lá fora
Embora a noite clara escureça
Por vezes dentro de mim, a luz
Que bruxuleia e ilumina assim
Se torna na força que na hora
Exacta é vida que vive em mim

28/6/2008

18/09/2008

OS NOSSOS ROSTOS

Uma luz acende-se na ponta das palavras
Os nossos rostos iluminam-se de sombras

29/8/2008

14/09/2008

QUE MAIS DESEJAR DO MUNDO?

Se os dentes cravo no fruto

E o sabor se entranha sinto

Do prazer os primórdios

E já é ficar a saber muito


Se o corpo enterro no mar

E sinto o frio se entranhar nele

Já sei do prazer o suficiente

Para o mar desejar sempre


Se o mar se espraia ardente

Nas areias finas que gerou

E me abraça assim quente

Que mais desejar do mundo?


Faro, Agosto de 2008

12/09/2008

APÓS MUITOS DIAS


Após muitos dias de jejum

soltam-se umas palavras

alinhadas ao som da ponta

larga e romba do lápis

que surgindo do nada

me trazem de volta

ao prazer da escrita

Faro, Agosto de 2008

09/09/2008

ENCONTRO

Fotografia de Hélder Gonçalves (recorte)

No espaço da celebração

dos antepassados

vagueiam meus passos

na busca humilde

da sombra.


Deslizam as silhuetas

no largo da igreja

rostos frios

na hora do encontro

com a morte.

Faro, Agosto de 2008

06/09/2008

UM PEQUENO POEMA

Fotografia de Hélder Gonçalves (recorte)

Um pequeno poema
luxuriante.

Um ponto de luz
Incandescente.

É o silêncio ao fundo
da palavra
que não mente.

Faro, Agosto de 2008

05/09/2008

UM DIA

Pelo aniversário de meu pai

Um dia tal como tu sairei

Do lugar onde me sentes

A teu lado algures por aí

Talvez nos encontremos

Se tiver tempo aviso cedo

Na verdade nunca deixei

De te ver dentro de mim

4 de Setembro de 2008

03/09/2008

Contradictio

Fotografia de Hélder Gonçalves (recorte)

Não me interessa o jogo

puro das palavras

deslizando

no papel branco da folha

que recorto e sujo

com a leveza da pena

que uso.

Não escrevo como quem bebe

um licor e se inebria

mas inebria-me a corrente

das palavras que escrevo.

Faro, Agosto de 2008

02/09/2008

A TERRA

A terra eu sei o que é,

a ruga funda cavada no rosto

eu sei o que é, o mundo

do arado que desbrava o rego

e fende a raiz da semente

eu sei o que é, a levada

de água pura que levanta

a seiva de onde nasce o fruto

eu sei o que é, a terra

que esconde o mistério

da morte eu sei o que é,

a terra ganha sempre

Faro, Agosto de 2008

31/08/2008

NA PERPENDICULAR DA TERRA

Na perpendicular da terra

ao céu da minha infância

vai um mundo de afectos

com princípios e sem fim,

somente me encontro aí.

Faro, Agosto de 2008

29/08/2008

O campo da minha vida

Ali havia pouca coisa evito dizer nada
E o mundo da escuridão nascia cedo
A luz da alvorada queimava os dedos
Qual chama do candeeiro a petróleo
O mundo onde não havia nada tinha
Gente dentro crença segredo traição
Medos ancestrais uma reserva de água
Pouca a busca dela a boca seca e terra
Sequiosa de rega um mundo de coisas
Raras como rara era a chuva no verão

29/8/2008

27/08/2008

SE OS MEUS PASSOS

Se os meus passos

ainda

fazem sentido

é porque ecoam

nos jardins

do meu passado

Faro, Agosto de 2008

26/08/2008

NÃO ESCREVO PALAVRAS


Não escrevo palavras

pensamentos

desenho os sons delas

que por momentos

se inscrevem num lugar,

de mim ausentes

Faro, Agosto de 2008

22/08/2008

OUÇO O SOM DA TERRA

Ouço o som da terra

que freme

e se move

de encontro ao meu mar azul,

cor da felicidade

Faro, Agosto de 2008

08/08/2008

RUY BELO (pelo 30º aniversário da sua morte)


(…)

quando não só as salas mas as vidas não ficavam
de repente vazias de convivas

que temiam olhar uns para os outros e medir nesse olhar as dimensões da solidão
e só sentiam como algum remédio para a solidão
abrir as salas aos nocturnos bois dos campos circundantes
quando de repente os dias começavam a correr
na indisciplinada vibração do perigo
ou se não demoravam na hábil e discreta
sondagem dos melhores movimentos dos antigos povos
quando pelos jardins passavam as hirtas e rígidas escravas
quebradas na cintura pelos seus cintos de seda
e era bem mais fácil manter o equilíbrio estival da humidade dos pés
quando os homens se compraziam a falar do vento
a propósito do movimento vivo ou lento dos canaviais
a associar tempo e vento para decretar
que coisas idas com o vento não regressam mais

(…)

Rotomando A Margem da Alegria [11] no dia do 30º aniversário da sua morte

07/08/2008

MAS SOU CAPAZ


Mas sou capaz

de escrever

um poema

de paz,

sobra-me a placidez.

Faro, Agosto de 2008

05/08/2008

NÃO SOU CAPAZ



Não sou capaz

de escrever

o poema

de amor,

falta-me o desespero.

Faro, Agosto de 2008

04/08/2008

O SUOR SALGADO



O suor salgado

corre

pelo meu rosto

no dia

alagado de dor.

Faro, Agosto de 2008

HARTZ

A Revista Digital Española de Poesía HARTZ, dirigida por RENÉ LETONA, reservou-me uma surpresa agradável. Na secção OTRAS APARICIONES surge uma breve, e simpática, resenha do meu livro artesanal “Primeiros Poemas”, realizado em parceria com a Isabel Espinheira. Os meus agradecimentos. [Réplica do Absorto.]

25/07/2008

CANÇÃO

Canção de longe, canção sonhada
Longe do corpo, longe do desejo
Canção amada ardor de leve beijo
Sulcando a pele eriçada o desenho
Se forma na ponta de meus dedos
Trementes de sulcar a água quente
Libertada do fundo da carne erecta
Que se abre e chora baixinho amor
O que mais queres sem pedir nada
Em troca eu te dou na hora incerta.

12/6/2008

19/07/2008

REFLEXÃO ACERCA DO TEMPO

Regressemos à infância feliz
(dos dias sem tempo perdido)
Oiçamos o ruído imperceptível
(das vozes do nosso sangue)
Adivinhemos a força do vento
(do segredo bem guardado)
Cuidemos da memória pura
(dos amantes da liberdade)

30/4/2008

[Publicado, em simultâneo, no ABSORTO.]

TENHO FEITO TANTA COISA

Tenho feito tanta coisa tanto
E tão pouco que não sei mais
O que faça para me não sentir
Morto de não ser achado
Nas coisas que tenho feito
Se será verdade só minha
Que mais ninguém nelas
Encontre um sopro de alento
Nem se lembre de quantas vidas
Elas trazem por dentro
Tenho feito tanta coisa tanto
E não me sinto contente
Das coisas que tenho feito

15/6/2008

18/07/2008

ENVELHEÇO

Envelheço. As rugas fazem-se espelhos.
Neles vejo o meu corpo vergar
ao tempo silencioso. Na rua chamam-me velho.
Como me vêem os olhos das jovens que me olham?
O tempo que me falta lhes sobra e a memória
já não ocupa o lugar da beleza de outrora.

6/6/2008

16/07/2008

LONGE E PERTO


Longe e perto de mim escrevo ao sabor
do tempo, as palavras escorrendo entre
os dedos iguais aos que herdei de meus
pais ausentes. E por mais que prometa
não os desiludir tenho medo de falhar.
E ser perdoado sempre também cansa.

5/6/2008

14/07/2008

A PALAVRA


A palavra escrita na superfície branca
Escorrega-me por entre as memórias

4/6/2008

12/07/2008

MEU POEMA


Meu poema é um silêncio aceso
que me alumia o caminho da fala
e se derrama na palavra escrita
à mão teclada ou manuscrita

Meu poema só existe quando escapa
ao exacto momento que o suscita
e nada mais tem para dizer
senão o que a própria mão lhe dita

15/3/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora. Este é o último poema desta série.]

09/07/2008

SEM TÍTULO


Somente uma semente pura
De alegria que se solta e sorri
Tal uma corrente de ternura
Vinda de longe como nunca vi

15/3/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

07/07/2008

“Meu Povo, meu Abismo”

Elliott Erwitt - BRAZIL. Rio de Janeiro. 1961.

Tão belo o poema
Tão curto e conciso
Tão presente tão futuro

Tão belo o poema
Que nem preciso ser
Poeta p´ra escrever
Um poema no espaço
Livre de seu destino

Tão belo o poema
Que podia ser hino

15/3/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

04/07/2008

AS RUAS DA MINHA INFÂNCIA

As ruas da minha infância

Eram estreitas,

Havia dias

Que a terra poeirenta subia

Às janelas,

E nos buracos que na terra

Abria

Só cabiam os dias inteiros

7/1/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora. Este poema, já antes publicado, pertence a esta série]

01/07/2008

SÓ QUANDO CRIO

Só quando crio se me abre o sorriso
Como a água fresca a brotar do gargalo
Do antigo cântaro de barro vermelho
Suado de fazer o frio da água escassa
Adornado de gotículas escorrendo
Como as lágrimas escorriam das faces
Sofredoras dos que me deram ao mundo

Sofre-se devagar e devagar se morre.
Vivemos somente nos pequenos ínfimos
Espaços em que nos abrimos ao mundo
E nos vemos ao espelho do que criamos
Quando criamos que é o que além de nós
Cresce nos outros e sem nós persiste
Mais longe no tempo que é o nosso

Lisboa, 23 de Junho de 2008

28/06/2008

Leio e escrevo lendo


Leio e escrevo lendo
No espaço livre
Dos versos,

Leio no silêncio
Do espaço livre
Dos versos,

Leio e escrevo lendo
Os versos
E assim me entendo.

5/1/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]