31/08/2009

AO LONGE AS MÃOS

Ao longe as mãos de todos os afectos
Tocam-me e não as sinto na memória,
Ao longe o tempo escarnece do corpo
Que trago dentro de mim estremeço,
Ao longe o eco dos passos longínquos
Alinhados numa corrente de gerações,
Ao longe a árvore frondosa da frente
Ensombrando a tragédia da ausência,
Ao longe hei-de ser visto pelos meus
Sob o silêncio de seus olhares ternos.

8/3/2009

27/08/2009

UMA SOMBRA



Uma sombra clara transparente

Desenhada a lances de olhar só

Mais nada, casual, livre e sente

A volúpia, meu olhar carnívoro

Sua sombra deitada e paciente

Adivinho-a sombreada a vozes

Ciciadas, vejo dobras no corpo

Sinais e apelos, o fim do tempo

27/8/2009

26/08/2009

EPIGRAMAS

Na esquina da tela vislumbro um corpo. no cimo do corpo um olhar. pousada no colo uma mão. a fascinante arte da sedução.

*
Nada nos distingue a não ser tudo o que a nossa mão não alcança.

*
O caminho circula em tua volta, percorro-o ao longo dos dias e vejo-te acenar do outro lado. Não sei que penas levas no coração, as minhas sei que não podem ser tuas.

*
Quem espera sempre alcança, quem ri por fim ri melhor, o corpo dela balança, suspiro, agarro-me à esperança e, enquanto o corpo avança, espero o pior.

*
Sonhei que a liberdade é azul a cor dos mares do sul. À sombra dela vislumbrei um corpo livre que me procurava e, súbito, acordei.

*
Em busca da palavra no caminho me perdi e encontrei teu rosto inclinado no espelho no qual me revi em memórias e esperas.

*
O ângulo de teu corpo na esquadria do ecrã faz de ti uma maçã.

*
O sorriso ao cimo da escada, um dorso, uma fala: olá és tu? Sou eu, tudo e nada.

*
Sábias as palavras não ditas, espessas como a ansiedade que nos sobressalta.

*
Subindo a encosta se conhece o vento e se encurta a distância para o cume.

24/08/2009

ENTER


criada por Heloisa Buarque de Hollanda,
a partir daqui.

23/08/2009

GOSTO

Ferdinando Scianna

Gosto que me tomes
me abras
me invadas

Me voltes e tornes
me envolvas
e faças

Gosto que me entornes
me abraces
me lavres

Me beijes e bebas
me enlaces
e largues

Gosto que me voltes
me pegues
me mates

Me dês um nó
cego
e depois me desates

In Inquietude – Poesia Reunida

15/08/2009

"AS EVIDÊNCIAS" - XII

Sophie Thouvenin

XII

Uma outra vida espera em vosso peito.
Dentro do meu que em gestos se condensa
a carne fala e vibra, a carne pensa
por vós como por mim, que não aceito

mais que a linguagem de ter sido eleito
igual aos outros: tão igual, que sou
a identidade vária com que vou
sendo a diferença dolorosa – o jeito

de uma pura perda celebrar o amor,
sagrando-vos humanos e lembrados
na plena luz a que viveis os fados.

Beijemo-nos então. Língua na língua,
essa outra vida que trazeis, distingo-a,
e como liberdade aceito a dor.

Jorge de Sena

6-3-1954

12/08/2009

Restos mortais de Jorge de Sena trasladados "na primeira quinzena de Setembro" para cemitério dos Prazeres

Lisboa, 12 Ago (Lusa) - Os restos mortais do escritor Jorge de Sena serão trasladados "na primeira quinzena de Setembro" de Santa Barbara, na Califórnia, para o cemitério dos Prazeres, em Lisboa, informou hoje à Lusa fonte do Ministério da Cultura.

A trasladação tinha sido anunciada em meados de Junho, sem mais pormenores, pelo ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, durante a cerimónia de doação do espólio do poeta de "Arte de Música" à Biblioteca Nacional.

Poeta, ficcionista, dramaturgo, crítico e ensaísta, um dos vultos maiores da cultura portuguesa do século XX, Jorge de Sena nasceu em Lisboa em 1919 e faleceu em 1978 nos Estados Unidos, onde viveu exilado desde 1965 e leccionou, como catedrático, Literaturas Portuguesa e Brasileira e Literatura Comparada.

Antes de se fixar nos Estados Unidos viveu no Brasil, aí exercendo as cátedras de Teoria da Literatura e de Literatura Portugal.

A sua vasta obra literária inclui títulos como "Perseguição", o seu livro de livro de estreia em 1942, "Fidelidade", "Metamorfoses" e "Arte de Música" (Poesia), "O indesejado" e "Ulisseia adúltera" (Teatro), "Andanças do demónio", "O físico prodigioso", "Os grão-capitães" (Contos), "Sinais de fogo" (Romance, o único que escreveu), "A poesia de Camões", "O reino da estupidez" (em vários volumes), "Os sonetos de Camões e o sonete quinhentista peninsular", "O poeta é um fingidor", "A estrutura de 'Os Lusíadas'" (em vários volumes), "Fernando Pessoa & C.ª Heterónima", "Maneirismo e barroquismo na poesia portuguesa dos séculos XVI e XVII" (ensaio).

Da sua poesia, Sena disse um dia que ela representava "um desejo de independência partidária da poesia social, um desejo de comprometimento humano da poesia pura, um desejo de expressão lapidar, clássica, da libertação surrealista, um desejo de destruir pelo tumulto insólito das imagens qualquer disciplina ultrapassada e sobretudo um desejo de exprimir o que entende ser a dignidade humana - uma fidelidade integral à responsabilidade de estarmos no mundo".

RMM.

05/08/2009

ESCREVO NO MOMENTO EM QUE ME APETECE

Escrevo no momento em que me apetece
Os ruídos na minha cabeça são os mesmos
Do tempo em que a minha cabeça tinha
Trinta ou quarenta anos menos e nela cabia
Um mundo de ilusões como se diz amiúde

Escrevia uma banalidade se me apetecia
Para espairecer do tempo que me sobrava
Do tempo em que me esquecia do tempo
E olhava para dentro do meu corpo sempre
Como quem apreciava uma memória actual
Que se esgotava no acto de viver o momento

Escrevia sem olhar à geometria dos versos
Se versos eram as palavras alinhadas atrás
Umas das outras qual ilusão criando espaços
Para o meu corpo respirar dentro da cabeça
Que volteava sobre si própria como um moinho
De vento que empurra uma vela desfraldada
Ao luar da primavera que diziam iria acabar
Pois tudo acabaria e havia de se transfigurar

Escrevo com a imagem da geometria dos versos
De ferreira gullar na minha cabeça cantando a
Apetecida vontade de escrever sem medo de ser
Dominado pelo automatismo da escrita, um medo
Antigo, que se não conjuga com a liberdade
Que me manda escrever sempre no momento
Que me apetece com os ruídos nela presentes

7/5/2009

01/08/2009

CORPO INTEIRO

Gaylen Morgan

Para mim o
amor
fica-me justo

Eu só visto
a paixão
de corpo inteiro

Maria Teresa Horta