18/07/2007

EXPERIÊNCIA II

Posted by PicasaBill Kane - USA, b.1951

Quero de ti o corpo
seio ventre aberto

Quero o beijo de ti
sei do sexo ao certo

Quero de ti isso
o lugar exacto só

Quero a mão agora
logo não sei já

Que não quero sei
é perder-me aqui

Mas perder-me sei
ao certo que me quero

Quero aonde ser
nada mais senão eu

Agora já sabes
o que eu quero

Eu é que não sei.

6/11/1980


Dístico

De uma palavra sei que tem sentido
é desespero: não importa a causa.

13/6/71

Jorge de Sena

EXPERIÊNCIA I

Só sei dizer da superação
impossível o limite das forças.

2
Repulsa do fracasso, momento
quebrado exacto do corpo esperado.

3
Não abafo o medo renascido
do desejo: eis a mágoa do fazer.

4
Nova a espera do facto inevitável
que explica o antes sempre dito.

5
Tudo nasce e há-de morrer tarde
ou mais cedo: mas que viva em nós.

6
À força de querer viver, de pousar
o beijo: o homem de súbito só.

7
Desarmar o ciúme, violento marco
macho: programa branco de ódio.

8
Experiências marcas novas
que não ficam e se vão,
porquê violentas morrem
e no momento de morrer
ficam erectas e inacessíveis
à experiência de novas vidas?

6/11/1980


Rondel

De amor quem amo nunca sei ao certo
e a quem me tem amor sei que esse amor
eu amo ardentemente e nada mais.
Dizer de amor, sei bem de quem não digo;
não sei, porém, já se o disser, de quem.
Tudo se perde no que quero. Às vezes,
quando possuo, não possuir quisera.
E teu amor me quer. Como saber
se quero ou se não quero que se perca?
Dizer de amor, assim, pensando em tudo?
Ser esse amor que sou em teu amor?
Como é possível nascer outro, enquanto
o mesmo me conheço e a quem nasço?
Qual um ou outro? O que se esquece? Aquele
que se recorda? O que não pensa? O que
finge lembrar-se? Mas lembrar o quê?
Eu amo ardentemente e nada mais.

Jorge de Sena


[Este é o primeiro par de poemas que surge no
livro artesanal “5 pares de poemas” apesar ostentar
uma data posterior a dois outros que já aqui
publiquei. Mero erro de paginação. Todos os poemas
desta série foram escritos entre o verão de 1980
e finais de 1981 e são, mesmo entre aqueles
que escolhi, de qualidade desigual.]

17/07/2007

SEM TÍTULO

Posted by PicasaPeggy Washburn - US, b.1963

Versão I

Vi
Vi-me
Vim só
Tenso frágil
Sou
Só eu
Sim
Buscar-te
Te vou
A ti
Um dia
Sem mais
Àquele
Canto
Onde cultivo
O silêncio
Cúmplice
Do silêncio

Vai-me
Buscar
À margem
Estreita
Do à-vontade
Azul
Olhando
O longínquo tudo.

Versão II

Vi
Vi-me
Vi-me só
Tenso e frágil
Sou
Só eu
Buscar-te
Te vou
A ti

Só tu
Sorris
Um dia
Te vou
Buscar
A ti
Sem mais


[Duas versões, variantes, ou quase dois poemas distintos, experimentais, na busca da depuração. Dos mais antigos mas, certamente, não anteriores ao verão de 1980.]

15/07/2007

SEM TÍTULO

Posted by PicasaMarina Edith Calvo – Italia, b.1960

“Tout le bonheur de l´homme est dans son imagination”

Sade (citado por Jorge de Sena)

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“É pequena a margem pura onde só há tristeza”

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(…)
”quando de tudo que, ao fugis, destróis,
e cujos gestos mancharás de lágrimas,
se os não sujares traindo o teu desejo,
fechando os olhos pr´a me ver a mim;
- aceito alegremente que se perca,
se não transforme, não consuma ou cale.” (…)

-------------

(…)
quantas palavras, confissões não ditas,
olhares furtivos do prazer cansado,
para o futuro me não fossem a
suspeitar de perder-te por,
ah não sei como!, haver errado um gesto” (…)

Jorge de Sena

--------------

Olá, Olá, como vai? Quase bem, do tropel dos meus
sonhos mudaram alguns rostos, medos alguns menos,
do perfil devolvido pelo espelho o perfume que o meu
corpo a mim me oferece é o mesmo.

Olá, Olá, então e o menino? Bem, Bem melhor, já
lê tão bem! Quase tudo entende mesmo o que lhe
escondo parece não lhe escapar. Cresceu quase um
palmo e as saudades de mais de alguns dias longe
me esmagam … mas ninguém percebe…ainda conti-
nuam a pensar que lhe não ligo importância.

Olá, Olá, e a menina que deseja? Com 35 anos,
menina! Parece uma sina, não me largam estes
imaginários desejos de afirmar a luta por subjugar
a aparência, a imagem de mim. Tão Tonta! Não
me resguardo o suficiente do julgamento alheio.
Preciso de me não deixar absorver tanto pelos ou-
tros. Ser mais eu. Menos chapéu-de-chuva. Mas
não me acharão “eles” assim, apesar da aparência, de-
masiado intolerante?

Olá, Olá, e os medos? Alguns menos, alguns novos!

Olá, Olá, e os sonhos? Alguns mudaram, mas persiste
a ideia fixa de viver, apesar de tudo, de bem comigo.
Difícil? É bem verdade!
E os espelhos? Reflectem uma mesma luz no rosto.
E o rosto? O mesmo! O corpo? O mesmo perfume.
Desenvolto? Quase tanto como da última vez
que foi corpo para si. Não creio que o menino
alguma vez tenha sido sacrificado. E isso que
importância teria?

Olá, Olá, e a mão? Ferrugenta ou não? Curva
no limbo da folha. A cor? Difícil são as exi-
gências do tempo, cumprições de mais!


[Poema sem título nem data mas, certamente, escrito em 1980, provavelmente, durante o verão ou mesmo antes. Deste poema existe uma variante na qual integro mesmo versos de um poema de Jorge de Sena. É de todos os Primeiros Poemas um dos mais antigos e o que mais me surpreendeu, a mim próprio, por ser mais longo do que o costume e assumir-se como uma descrição/reflexão de perfil psicológico a propósito de uma relação acabada, ora do meu lado, ora do “outro” lado. Em epígrafe, de forma expressa e excessiva, excertos de poemas de Jorge de Sena.]

14/07/2007

SEGURANÇA

Posted by PicasaBill Kane - USA, b.1951

Tenho um quarto sabes aqui numa casa pequena
nada mais além de mim mexe no meu eu.
Nos passos dia-a-dia mais pesados nada transporto
de outros a não ser seus sonhos e meus desejos.

Condenado à condenação de ser igual e inseguro
afinal desejado mais do que podem alheios desejos
nada confio de alguém um dia amado
de mim que não seja a recordação de seus beijos.

Esqueço agora na insegura segurança ostentada
a vida de querer ser pessoa sem maldade.
Ligo o passado amor ao presente corpo adolescente
mas não digo nunca que matas a verdade.

22/9/1980

Na publicação artesanal, que antes referi, este poema
foi, por mim, emparelhado com este outro de Jorge de Sena:

VER

Tu julgas que procuro, e não procuro.
Tu julgas que eu aceito, e não aceito.
Nem de aceitar nem procurar é feita a minha vida.
Sabes? Será que alguma vida
é feita do que julgas?
No coração mental das tuas flor’s perdidas
há um pequeno núcleo enegrecido,
que enegreceu à falta de o olhares.
Não julgues, olha-o.
Olha-o por amor da minha vida.
Verás que se desdobra imaculado.
Estarei pensando fugidiamente em como
será que o olhas. Nada mais farei.

1951

Jorge de Sena

13/07/2007

NÃO QUERER

Posted by PicasaBill Kane

Não entro
se me não estou para dar.
Não digo
adeus nem até já.
Assim mesmo acredito
me não enganar de ti.
Mais não necessito
manso interlocutor distante
do que ouvir surdo teu coice.
Alta maré alto mar
Alto aí sem mais
que te conheço.
Mas não entro
se me não estou para dar.

15/9/1980

[Este poema foi editado numa “publicação”
policopiada no Natal de 1980 que descrevi
assim: “5 pares de poemas para alguns amigos
sem ofensa para Jorge de Sena. Deste são os
cinco retirados da
Poesia I e de 40 Anos de
Servidão e o último solto de que gosto muito
e é o pai dos meus.” Acontecera que, tendo
Jorge de Sena morrido em 4 de Junho de 1978,
iniciara a leituras extensiva da sua obra e me
apaixonara pela sua poesia. É o que explica
que, nesta “publicação” artesanal, tenha ousado
emparelhar 5 poemas de Jorge Sena com cinco
dos meus primeiros poemas. Imaginem!]

O poema de Sena que escolhi para emparelhar
com “Não querer” foi:

“Nunca ninguém ao certo …”

Nunca ninguém ao certo nos conhece
Quem bem repara menos vê ou vê
mais e melhor o quanto reparou.
Por isso, anos passados, recordando,
folheando as folhas para tal guardadas,
olhando uns vãos desenhos em que há sempre
sebentas, livros, um amor sabido,
e lendo versos em que há sempre livros,
o mesmo amor, sebentas, e talvez
alguma graça já sem graça alguma,
tão docemente o recordar se aviva,
que não distingue … outros recorda … esquece.

E como reparar-se em quem não pára?
Em quem do Porto a Coimbra se prepara
para a viagem de Coimbra ao Porto?
Em quem trabalha e estudo em correria
sem ter tempo a perder na Academia?

E pois que da amizade nestes livros
só ficará quanta morrer na vida,
folheai, lembrai, guardai nos papéis velhos,
que o resto, o mais, o que afinal é tudo,
aqui não está – ou, estando, não é vosso.

Jorge de Sena

6/2/48

12/07/2007

Sem Título

Posted by PicasaTeresa Ollila

Delicadeza era estar bem disposto
o tempo todo?

15/9/1980

[“Primeiros Poemas” – Ao longo do tempo tenho vindo a descobrir poemas antigos. Inicio agora a publicação de alguns deles, na sua versão original, conforme o manuscrito. É possível que alguns já tenham sido antes publicados o que procurarei assinalar. Seguirei a ordem cronológica salvo quando algum não estiver datado. As ilustrações serão quase todas de fotógrafos norte americanos.]

10/07/2007

CORPO, LEMBRA ...

Posted by PicasaFotografia de Philippe Pache

Corpo, não te lembres de quanto foste amado
só; nem só dos leitos em que te deitaste;
mas também dos desejos que por ti
brilharam francamente nos olhares,
nas vozes palpitaram – e que apenas
um acaso impediu e reduziu a nada.
Agora que ao passado já pertencem todos,
quase é como se tu, a tais desejos,
também te houveras dado – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que se demoravam,
e como nas vozes palpitavam, lembra-te, por ti.

(1918)

Constantino Cavafy
Tradução de Jorge de Sena

“90 e Mais Quatro Poemas” - Edições ASA

07/07/2007

ESTAMOS TODOS SOZINHOS CORRENDO

Posted by PicasaMitch Dobrowner

Estamos todos sozinhos correndo
Os cantos do mundo e os nossos
Olhos choram homens morrendo
Todos os dias quantos remorsos
Sentimos nós próprios esquecidos
Das dores que a outros infligimos

Quero morar numa sombra fresca
Daquelas que o sol desenha quente
No chão seco do meu bairro deserto
Imaginando repletas as madrugadas
De gente passando ao fim da tarde
Diante de mim doridas e cansadas

Não sei nada não sei já ler os sinais
Do tempo e calculo a palavra certa
Exacta ínfima infinita mortífera dor
Que mata e não deixa rastos mortais
Aqui e ali uma emenda à regra pôr
Uma palavra a mais não custa nada

Quero ver o dia de cumprir o desejo
De tocar todos os corpos desejados
De acreditar que nunca estou a mais
Não sou o espaço vazio de um sonho
Que se não inventou ainda mas sim
Eu próprio que me inventei sempre

Choras porque ainda não entendeste
A opressão do medo e o desespero
Que a liberdade de ser igual ao teu
Igual te provoca desafiando a tua fé
Em permanecer costas rectas contra
O tempo fútil sorrindo sempre de pé

Lisboa, 4 de Março de 2004
.

04/07/2007

A SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN ENVIANDO-LHE UM EXEMPLAR DE "PEDRA FILOSOFAL"

Posted by PicasaJorge de Sena

Filhos e versos, como os dás ao mundo?
Como na praia te conversam sombras de corais?
Como de angústia anoitecer profundo?
Como quem se reparte?
Como quem pode matar-te?
Ou como quem a ti não volta mais?

15/12/1950

Jorge de Sena

Primeiro poema de “Peregrinato ad Loca Infecta”
1969 – “Poesia III” – Edições 70

03/07/2007

ESPERAS-ME

Posted by PicasaMark Surloff

Esperas-me, compreendo que me esperes
a solidão fala mais alto que as desilusões
pressentidas do desencontro e desesperas

pelo dia em que não mais me encontrarás
na espera desprendida, inevitável, temida
qual espaço branco que o tempo esqueceu

26/06/2007

01/07/2007

O HORIZONTE RASGADO

Posted by PicasaFrank Grisdale

O horizonte rasgado, raízes puras
Entrelaçadas desejos por cumprir
As vistas do mar, coroas de terra
Rodeando as memórias do porvir.

21 de Junho de 2007