28/06/2008

Leio e escrevo lendo


Leio e escrevo lendo
No espaço livre
Dos versos,

Leio no silêncio
Do espaço livre
Dos versos,

Leio e escrevo lendo
Os versos
E assim me entendo.

5/1/2008

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

25/06/2008

Epigrama


Mesmo que não me apeteça

Passar o ano

O ano passa por mim!

31/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

23/06/2008

MORREU O ALBERTO DE LACERDA

Alberto de Lacerda

Morrer nos últimos dias de Agosto
Oh Lacerda! Não lembra ao diabo,
Embora se morra em qualquer mês
Que tal como nascer é um mistério.
Morrer é natural tanto dá ser longe
Ou perto e não vale a pena chorar
Pelos poetas esquecidos deixá-los
Lá onde escolheram morrer livres

27/8/2007

[Poema escrito aquando da notícia da morte
de Alberto de Lacerda
, publicado, com júbilo,
pela
preservação do seu espólio.]

22/06/2008

SEM TÍTULO


Não posso escrever já como aqueles
primeiros poemas intencionais pelos
meus trintas e tais escritos com sangue
derramado pela morte da paixão
cantando à-vontade a esperança
de uma nova alvorada de afectos
que mais me consumiam o ventre
e todos os medos com doenças dentro.

Não posso escrever os versos iguais
àqueles que escrevi por esses dias
mágicos de angústias fatais, longe
vão os sonhos, longe vão os tempos
de cantar a vida sem destino à vista
a certeza da eternidade com futuro
aventura percorrida sem a dúvida
de, por fim, encontrar a felicidade.

29/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora. Surge fora da ordem cronológica por erro.]

19/06/2008

Ano novo: 2008


Ouço o mar
lá longe
sob o céu.

Ouço o silêncio
gotejar
na noite espessa.
É tarde
(mas não me canso)
como no tempo jovem
hoje um ribeiro manso.

Depois de amanhã
nasce um ano novo.

30/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora. Poema já antes publicado mas que pertence a esta série.]

18/06/2008

SEREI CAPAZ DE ESCREVER

Holly Roberts

Serei capaz de escrever tal como escrevia
no tempo de todas as esperanças, coração
aberto à viagem, sorver tempo sem temor
dos medos, crente na universal sabedoria.
O que creio hoje é quase nada, a natureza
que me rodeia, a finitude da paixão, a ida
ao fundo da memória e rostos dentro dela,
mãos que ainda vejo, suas veias salientes
a deslizar ao longe, o tempo já esvaziado,
reflexos cintilantes do verão, maduro sol
do passado. Oiço as vozes gritar presente
vermelhas crentes, minha terra perfeita.

23/05/2008

15/06/2008

Deixei a tal conversa suspensa


Deixei a tal conversa suspensa
A surpresa suspensa na conversa
Com ela suspensa na surpresa

Deixei por uns dias a conversa
Suspensa na certeza que a surpresa
Com ela nunca será uma conversa.

29/12/2007
.
[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

CORA CAROLINA

12/06/2008

FERNANDO PESSOA

Por ocasião da passagem do 120º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa transcrevo, a partir do site de poesias coligidas de F E R N A N D O P E S S O A, a parte final da carta a Adolfo Casais Monteiro.

Autobiografia?
Carta a Adolfo Casais Monteiro

(…)

Mais uns apontamentos nesta matéria... Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 in de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É, um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.

Como escrevo em nome desses três?... Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.)

Nesta altura estará o Casais Monteiro pensando que má sorte o fez cair, por leitura, em meio de um manicómio. Em todo o caso, o pior de tudo isto é a incoerência com que o tenho escrito. Repito, porém: escrevo como se estivesse falando consigo, para que possa escrever imediatamente. Não sendo assim, passariam meses sem eu conseguir escrever.(*)

Falta responder à sua pergunta quanto ao ocultismo. Pergunta-me se creio no ocultismo. Feita assim, a pergunta não é bem clara; compreendo porém a intenção e a ela respondo. Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subtilizando-se até se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não. Por estas razões, e ainda outras, a Ordem Externa do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (excepto a Maçonaria anglo-saxónica) a expressão «Deus», dadas as suas implicações teológicas e populares, e prefere dizer «Grande Arquitecto do Universo», expressão que deixa em branco o problema de se Ele é Criador, ou simples Governador do mundo. Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação directa com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é magia também), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm. Quanto a «iniciação» ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde à sua pergunta: não pertenço a Ordem Iniciática nenhuma. A citação, epígrafe ao meu poema Eros e Psique, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente – o que é facto – que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho.(**)

Creio assim, meu querido camarada, ter respondido, ainda com certas incoerências, às suas perguntas. Se há outras que deseja fazer, não hesite em fazê-las. Responderei conforme puder e o melhor que puder. O que poderá suceder, e isso me desculpará desde já, é não responder tão depressa.

Abraça-o o camarada que muito o estima e admira.

Fernando Pessoa

14/1/1935

Noite de Natal


Fim da noite de Natal.

Já madrugada o silêncio

Caiu sobre a casa afável.

29/12/2007

[25 Poemas. Selecção de poemas escritos, a lápis, nas páginas do livro “Toda a Poesia”, de Ferreira Gullar, 15ª edição, José Olympio, Editora.]

06/06/2008

PEQUENAS COISAS

Peggy Washburn

O meu quotidiano é feito de pequenas coisas.
Afinal sempre assim foi mesmo quando pensei
que eram grandes as coisas que antes fazia.
Mas com a passagem silenciosa do tempo
sem vergonha no seu caminhar vagaroso,
passo a passo, linha a linha, deslocada a vida
do lugar onde a imaginei, plena e virtuosa,
encontro um lugar vazio no qual ressoam
simplesmente as pequenas coisas de ninguém.
E eu próprio sou uma dessas pequenas coisas!

4/6/2008

03/06/2008

ELOGIO DA VIDA MONÁSTICA

Jorge de Sena
(pelo 30º aniversário da sua morte)

Outrora, uma pessoa retirava-se do mundo,
amortalhava-se em vida, fazia-se monge,
ou porque a vida lhe dera tudo e a agonia sobrevinha,
ou porque desistia de lutar com ela pelo que não vinha nunca
(nem mesmo sob a forma de agonia que facilitasse as coisas).
Depois, porque o espírito precisa de ocupar-se,
a pessoa tratava de salvar a própria alma,
de mortificar o corpo, e preparava-se para a morte
(um acidente para que só pelo acaso feliz de ter nascido,
uma pessoa, naquele tempo sem recurso algum,
estava, por estar viva, sempre preparada).
Era uma aposentadoria honrosa, olhada com respeito,
e que não podia deixar de encher a solidão
como gente e amor não tinham preenchido a vida.
Era um estar só, rodeado de calor humano,
sem os inconvenientes e a incomodidade
que o convívio humano traz consigo,
desde os sentimentos a mais aos sentidos a menos,
ou ao facto lamentável de quem amamos não cheirar
como quereríamos: a um misto de rosas e de sexo,
com alguma imaginação de como o amor cheira.

Hoje, não há mais mundo
de que uma pessoa possa retirar-se.
O mundo se retirou de nós. E a solidão
é como um convento gigantesco em que,
na rua, nos transportes colectivos, na cama,
olhamos a vizinhança com a mesma convicção
com que os carmelitas descalços ao cruzarem-se no claustro
mutuamente se saudavam dizendo
que era preciso morrer.
Na dor, na alegria, no prazer, em tudo,
somos monges laicos cuja morte sobrevém
de uma qualquer maneira estúpida e sem graça.
E o nosso olhar de espanto não é o de termos sido
colhidos de surpresa antes de estar salva a alma,
mas o de ela estar salva, desde que o mundo
se retirou de nós. É o olhar de espanto do funcionário público
que descobre, ao contarem-lhe o tempo de aposentadoria,
que nunca figurara na folha de pagamento,
nem no quadro dos funcionários efectivos,
ou mesmo sequer nas listas do comissariado
do desemprego. Não tem direito sequer
à agonia que todavia sente como antigamente
era sentida a que justificava tudo:
o prazer de decidir entre duas coisas:
o ir ou o ficar, o estar ou o partir,

o ter-se uma alma que jogar e perder.

26/9/65

Jorge de Sena

In TEMPO DE PEREGRINATIO AD LOCA INFECTA (1959-1969)
40 ANOS DE SERVIDÃO – Círculo de Poesia – Moraes Editores

02/06/2008

JORGE DE SENA - pelo 30º aniversário da sua morte (III)


“NUNCA NINGUÉM AO CERTO NOS CONHECE”

Nunca ninguém ao certo nos conhece.
Quem bem repara menos vê ou vê
mais e melhor o quanto reparou.
Por isso, anos passados, recordando,
folheando as folhas para tal guardadas,
olhando uns vãos desenhos em que há sempre
sebentas, livros, um amor sabido,
e lendo versos, em que há sempre livros,
o mesmo amor, sebentas, e talvez
alguma graça já sem graça alguma,
tão docemente o recordar se aviva,
que não distingue … outros recorda … esquece.

E como reparar-se em quem não pára?
Em quem do Porto a Coimbra se prepara
para a viagem de Coimbra ao Porto?
Em quem trabalha e estuda em correria
sem ter tempo a perder na Academia?

E pois que da amizade nestes livros
só ficará quanta morrer na vida,
folheai, lembrai, guardai nos papéis velhos,
que o resto, o mais, o que afinal é tudo,
aqui não está – ou, estando, não é vosso.

6/2/48

Jorge de Sena

In TEMPO DE PEDRA FILOSOFAL (1945-1950)
40 ANOS DE SERVIDÃO (Círculo de Poesia – Moraes Editores)

JORGE DE SENA - pelo 30º aniversário da sua morte (II)

.
VER

Tu julgas que procuro, e não procuro.
Tu julgas que eu aceito, e não aceito.
Nem de aceitar nem procurar é feita a minha vida.
Sabes? Será que alguma vida
é feita do que julgas?
No coração mental das tuas flor´s perdidas
há um pequeno núcleo enegrecido,
que enegreceu à falta de o olhares.
Não julgues, olha-o.
Olha-o por amor da minha vida.
Verás que se desdobra imaculado.
Estarei pensando fugidiamente em como
será que o olhas. Nada mais farei.

1951

Jorge de Sena

Post-Scriptum [1960] - In Poesia I (Moraes editores 2ª Edição – 1977)