06/07/2010

DIFÍCIL PARTILHA


Dói às vezes partilhar o comum dos gestos
da vida e omitir a sua parte nova e agreste,
julgando no dia claro deste Janeiro quente
e seco os passos de viver assim docemente

Crispa a pele suster no corpo o vento em riste
aceitar o cansaço do ventre a olhar o já visto,
receando de nós a própria dor do tempo carregado
para dela nos desfazermos amando o corpo amado

Mesmo que surja uma palavra a mais ou a menos
temo o gemido que leio na memória omissa,
que cor têm os cabelos ondeando no beiral
do tempo quando se abrem os braços e se grita?

Soltemos o nosso passo à desfilada
prendamos o braço ao braço que abraçamos,
experimentemos ouvir as horas na torre
e o esvoaçar da cegonha que observamos

Num golpe de olhar ouçamos os pássaros no berço
da noite e sigamos a linha quebrada do remo fendendo
a ria e os pontos mortiços das luzes no alto da colina

A respiração sustem-se no momento do passo dado
e já nada nos segue a não ser o nosso próprio riso
eco repetido no chão duro e cego da verdade

Lisboa, 21 de Janeiro de 1981

(Transcrição da versão original manuscrita no “livro de recados”)

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