19/06/2010

A BEM DA NAÇÃO


Fotografia de Hélder Gonçalves

Posso sair por uns instantes
daquele que me dou a conhecer
e todos reconhecem pela imagem de um homem
honesto perfilado no pedestal da probidade
reconhecidamente probo - bela palavra probo -
ou seja incapacitado por sua natureza de cometer
qualquer imprudência inqualificável
que o leve a ser apontado na esquina
da rua no largo no bairro na baixa
da sua cidade como aquele que é igual
a todos os outros
a todos os demais
menores denominadores comuns sociais
incendiários stritu sensu
ou incendiários de prazeres imorais.

São todos iguais
disse na televisão: é verdade.

Posso sair por uns instantes
desta incomoda posição de parecer normal
e de cumprir com a minha obrigação?
Deixem-me assumir uma pose de Estado
e afiambrar um discurso que me devolverá à liberdade
de ser suspeito antes de ser condenado.

Deixem-me ser eu próprio a confessar os factos
as faltas os erros os desvios e que mais...
não se macem em pôr notícias nos jornais
eu próprio me reconheço autor confesso
do descalabro da coisa pública.

Um horror a coisa pública
vista daquele ângulo da casa de banho
agachada em postura declaradamente impudica.

Gente sem preparo nem fato assertoado
antecedida e procedida por igual
de uma ineficácia confrangedora
diz a directoria do DN no editorial.

Que mais se espera do que ser removida
a coisa publica
com o devido asseio
e dentro da mais estrita legalidade.

Descansem todos os honestos coitados
quantos cuidam de não trair
sua boa reputação

podeis continuar a trabalhar,

A Bem da Nação

Lisboa, Agosto de 2003

[A propósito da morte de José Saramago uma série de poemas de 2003 na sua maioria inéditos.]





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