26/08/2007

DUPLA GLOSA

Posted by PicasaRuy Cinatti

Para o Ruy Cinatti,
em Timor, pelo seu aniversário, em 1952

“Não passam, Poeta, os anos sobre ti”
- eis o que em tempos uma vez te disse.

Não é bem a verdade; passam sobre ti
como por sobre os seres que perecem.
Apenas sempre tu soubeste como
se vive no intervalo entre os instantes.

Os anos passam; mas, desta passagem,
a permanente essência em nós se cumpre,
que para testemunho só nascemos.

Mas de que falas tu? De ti? Do mundo?
Ou do intervalo em que te aceitas outro,
precisamente quando mais te julgam tu?

A pouco e pouco, nascerás de tudo.
Tu próprio, todavia, não disseste que
“anoitecendo a vida recomeça”?

3/3/1952

Uma nota a “Dupla Glosa”

É Jorge de Sena que, em Julho de 1977, mesmo no fim da vida, no prefácio de “Poesia III” escreve: “ …Poesia III compõe-se de “Peregrinatio ad loca infecta”, Exorcismos, o poema “Camões na Ilha de Moçambique”, Conheço o sal … e outros poemas, e a sequência sobre esta praia … – oito meditações à beira do pacífico, acrescidos de três poemas inéditos e de um inédito segmento de um outro.”

“Peregrinatio …” foi publicada em 1969 mas na reedição inserta em “Poesia III” alguns poemas são acompanhados de notas – escritas em 1977 – algumas das quais valem bem a pena serem divulgadas. Foi o que não fiz logo ao publicar o poema “Dupla Glosa” e que agora corrijo transcrevendo a nota que Sena escreveu para o acompanhar:

“O poema refere-se ao que, com este citado mesmo primeiro verso, faz parte do livro Pedra Filosofal, coligido em Poesia I, aonde o poeta a quem era dirigido o poema, e meu amigo dos maiores de há quase quarenta anos, não era indicado, como aqui, em dedicatória. Não é excessivo repetir, uma vez mais, que Cinatti é, mesmo em muitos dos poemas que agora distribui pelas ruas de Lisboa, varrido pela dor mortal que o feriu com a catástrofe de Timor, um dos grandes poetas portugueses deste século, em minha opinião; e o futuro o dirá, ao apear alguns que por aí andam pintados de génios pelos seus fiéis servidores ou pelos servidores de a quem servem. Di-lo-á também, ao reconhecer nele uma das consciências verdadeiras deste nosso tempo em que nunca se imaginou uma tal exibição de falta desse atributo humano. Consciência desenfreada, mas uma, além do mais, das raras – a não ser no povo – consciências altruisticamente sofredoras que há hoje em Portugal. O autor destas linhas, ao ler este poema de 1952, treme do que parece que era profecia, e de facto “retrato” passado e futuro.” [Acrescente-se que, como decorre desta nota, datada de 1977, Cinatty sobreviveu cerca de dez anos a Jorge de Sena.]



Jorge de Sena

[In “Poesia III” – “Portugal” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (1)]

1 comentário:

João Filipe Ferreira disse...

eu e pedro lopes do site www.luso-poemas.net estamos a pensar fazer uma antologia 100 autores, 100 poemas pela ecopy. Neste projecto cada autor participa com 1 texto. O unico custo que terá é comprar 1 livro, ou seja terá o preço de 12 euros. é um livro que pode estar em qlq loja que qualquer autor arranje para além das muitas lojas onde está presente, pensei em o convidar, se quiser será um prazer:)
pode responder para pedro_lopes777@hotmail.com
abraço