16/08/2007

PENSO


Alan Kupchick

Vi adormecer o sol abaixo das nuvens
mar límpido e céu vermelho ligeiro
e desse berço o cheiro intenso me cegou.
Vi no dia sagrado familiares de Mercedes
passear o seu orgulho e logo atrás
cambaleando de pernas arqueadas
homens que o sol não aquece
e a queda na cidade tornou assim tão
perdidos dos seus e suspensos da memória:
homens do campo que o campo esqueceu.

Reconheci pedintes agonizando à mesa
da ceia que o Cardeal não reconheceu
e à cabeceira do meu braço morrerem
nas palavras do momento ou na voragem
da idade alguns que me soletraram a palavra
vida. Esses os mais queridos que sempre
o são apesar da distância e do esquecimento
azulado da lembrança. Esqueci o que vi
no momento de ver a quem escrevia
porque vi no Natal tanta mágoa que nele
imaginei não mais te ver a ti.
Hoje agora aqui neste sussurro pensativo
não quero mais nada do que um sossego
de sono esperado, manso, nocturno e doce,
não quero mais nada que de mim saia
senão meu corpo apertado na tua mão quente.

25/12/1980

[Uma tentativa de poema de Natal, certamente, escrito em Faro. Publico-o pelo último verso que me deve ter suscitado aquela satisfação que Ruy Belo descreve em dois versos do seu poema Requiem por Salvador Allende: “Acabara um poema enchia o peito de ar junto da água/sentia-me importante conquistara palavras negação do tempo”. Por esta época já tinha lido, além de Sena, Ruy Belo como pude confirmar pela epígrafe que surge num próximo poema.]

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