03/11/2007

HOMENAGEM A TRISTAN TZARA


Que mundo este. Morre a Princesa do Traseiro-ao-Léu,
Bacoreca Sinfrásia d’Aldipopes. Morre o tribilinto asfásico
dourada pluma de popotássicos futebóis tintáceos.
Ascende no ar um cheiro a Presidente. E a Imprensa
cai em delíquio de pernoca e bunda. Ou pavelitches
mandam cantar missas de Requiem. Ou tam tam tam tam tam
pum. Mas tu, Tzara, morreste há ano e meio,
e é no acaso de um jornal que o sei “des poètes” o
jornal. Il y a des poètes, voyez-vous? Et ils ont
un journal. Oui, mais ma tente, elle tricote. Método Berlitz. Comme]
il y a tantes, honni soit qui mal y pense.
Eras romeno e de monóculo. A România ou Roménia,
como sabem todos os jornalistas cultos, é
um país latino embora eslavo, oh coisa estranha.
Mas em francês é que escrevias das aventuras celestes
do Senhor Antipirina, por aquele tempo em que,
abrindo um dicionário, encontraste DADA.
As palavras ao acaso, os recortes de jornal num chapéu
(como a imprensa se tornou dada, não é verdade, e sem chapéu),
e o mundo então estourando dia a dia em lama da Flandes ou
dos Lagos Masúrios. Mas tu, em Zurique, na montanha mágica
que havia entre os montes sem magia mais que a das vaquinhas
(que todas são suiças), transformaste em loucura calculada
a tua nostalgia de romântico reclinado “onde bebem os lobos”,
e o teu sangue de “homem aproximativo”, como todos os homens
que se prezam de ser DADA, com chapéu, a única coisa sensata
de um mundo em petição de miséria. Depois
foi o surrealismo com o papa Breton, o sacristão Péret, o politiquelho Aragon,]
Éluard-anjo-do-lar, Artud-a-fúria, o mártil Crevel, o bigodes
pré-franquistas Salvador Dali. E tu – poeta dadaísta, ali em francês
enquanto os outros estavam cavando a sepultura das Academias para]
a fundação da grande Academia parisiense da poesie Frrrrrrrrçaise,]
nouveau langage pour les prochains siècles: ó Racine: ó
pipoca saponácea de ceboso antraz. E haveria depois
o existencialismo (oh não de Malraux, não de Jean-Paul Sartre, mas]
do bela letra pied noir si digne Albert Camus). E depois o
nouveau roman nouveau roman tão bem escrito oh nouveau roman.]
Morreste há ano e meio, ou coisa assim. Ridiculamete,
como diz a notícia no melado tom do necrologio hipotético,
“quando o pai Natal enche de brinquedos as meias das crianças”.
Só te faltava esta para seres completo. Adieu, Tzara,
e que os antipirinas comovidos movidos vidos mu
te soltem sobre a tumba (Père Lachaise?) a gota militar
de um épico anúncio de jornal, como este:
“O armário de várias utilidades para o lar, solucionando
as medidas de espaço e de ambiente – 36 variações
à escolha” (CLIPPER dixit). Só 36? O Kamasutra! Adieu, Tzara.

1965


Jorge de Sena.

[In “Poesia III” – “Brasil” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (19). Este poema contém uma referência a Albert Camus que corresponde ao posicionamento político e intelectual que seria de esperar do autor e que muito me conforta. Além do mais mereceu do autor a seguinte nota: “Uma alusão neste poema necessita de esclarecimento. Um dos escândalos de São Paulo foi, e tem sido, o facto de croatas exilados mandarem dizer missa de Requiem por alma de Pavelich, o chefe dos “ustaquis” que dominaram ferozmente a Crácia, quando esta parte da Jugoslávia foi “reino” separado, na ocupação italo-germânica durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos erros do Brasil, como de muita América latina, foi o ter aceitado a entrada de numerosos grupos nazi-fascistas europeus, como exilados políticos quando não eram senão criminosos de guerra. Outra alusão também pede esclarecimento: Clipper é uma gigantesca cadeia americana de grandes lojas, e um dos grandes armazéns de São Paulo, e o anúncio é transcrito ipsis verbis.]

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