17/11/2007

LISBOA - 1971

Posted by PicasaMarina Edith Calvo

O chofer de taxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranje do a mais com as gorjetas.
Os amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas pernas que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto “calçar” uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas da sopa do convento.
Mas o chofer de taxi contou-me que
discutira com um asno e lhe disserra:
“ … V. que nesse tempo ainda andava a fugir
de colhão para colhão do seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta …”
E é isto: andam de colhão em colhão
a ver se escapam – e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escaparam.

Lisboa, 5/8/1971
[In “Poesia III” – “Exorcismos 1972” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba. (22). Este poema – que salta a ordem desta série - vem a propósito do artigo de Clara Ferreira Alves, publicado na revista Única do Expresso, sob o título Ele fotocopiou, sim tendo como protagonista o Dr. Paulo Portas, e que publicarei logo que o encontre disponível por aí].

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